O Ciclo do Dinheiro da Pirataria: 'Fluxo Econômico'

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Sentados em uma casa segura, a quilômetros de distância, três antigos piratas refletem sobre suas vidas passadas como ”soldados rasos” a bordo de esquifes, preparando-se para atacar navios de carga desavisados nas costas do Chifre da África. Nossa equipe de pesquisa ficou pasma com suas histórias.
 
Ouvimos a descrição de como eles se envolveram na pirataria, quanto ganharam, como gastaram seu dinheiro e, talvez o mais interessante, o que eles sabem sobre seus "chefes", os financistas, investidores e negociadores da pirataria.
 
Esses soldados rasos eram apenas peixes pequenos em um imenso oceano.  Eram mandados para sequestrar navios, que só eram devolvidos em troca de resgates pesados.
 
De acordo com as pesquisas do nosso relatório Pirate Trails, que estuda os atos de pirataria nas costas do Chifre da África, estimamos que entre US$ 339 milhões e US$ 413 milhões foram negociados em pagamentos de resgates entre abril de 2005 e dezembro de 2012. O valor exato é muito difícil de determinar, devido à relutância das companhias de navegação e dos piratas de revelar o custo e as recompensas da pirataria.

Desde o início, a equipe de pesquisadores – do Grupo Banco Mundial, do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) e da Organização Internacional de Polícia Criminal (INTERPOL) – conhecia a origem do dinheiro da pirataria, mas queríamos descobrir para onde iam os pagamentos dos resgates. Em que foram investidos? E quem ganha com os grandes lucros financeiros desses empreendimentos criminosos? Assim começou nossa busca para entender e explicar aquilo que chamamos de “o ciclo do dinheiro da pirataria”.
 
A pirataria é um negócio lucrativo, com os financistas piratas – os chefes – no centro de controle. Os rendimentos da pirataria vão tanto para atividades legítimas (como khat, transporte e hotéis) como ilegítimas (p. ex., tráfico humano e tráfico de armas), incluindo o dinheiro que é canalizado de volta para financiar outras operações piratas, mantendo assim um ciclo monetário autoperpetuante.
 
De acordo com nossas pesquisas, os financistas piratas obtêm entre 30% e 70% do total dos resgates, dependendo de se eles financiam a operação de pirataria individualmente ou como parte de um cartel. 
 
Como qualquer empresa, existe o aspecto das despesas do livro-caixa. Entre US$ 30.000 e US$ 75.000 são pagos aos piratas de baixo nível – os soldados rasos – que executam os ataques piratas e que mantêm os navios e as tripulações como reféns.  Os fornecedores locais de bens e serviços aos piratas, como cozinheiros e mecânicos, também precisam ser pagos por seus serviços. 
 
Durante a pesquisa, pudemos estabelecer que a maioria dos rendimentos da pirataria, durante os anos do estudo, foi investida ou gasta na Somália. Isso contraria o que foi – até hoje – a crença comum: que os fundos ilícitos tinham ido para outro lugar. Também descobrimos que os financistas piratas também usam os rendimentos para investir em milícias e comprar influência política. Além disso, a lavagem do dinheiro é feita por meio de setores “tradicionais” como hotéis, restaurantes, khat, transportes e petróleo.
 
Como todos os homens de negócios astutos, alguns financistas piratas também diversificam seus negócios, usando os recursos básicos existentes, e fornecem serviços financeiros – como contadores, consultores e agiotas.
 
O Pirate Trails também elimina algumas suposições comuns, das quais a principal é a ideia de que o dinheiro da pirataria é um fator importante no mercado imobiliário regional.  Nosso estudo não descobriu nenhuma evidência clara de que os fundos ilícitos das atividades piratas têm um papel muito significativo nessa área, em termos de ser um motor dos altos preços dos imóveis.
 
Uma vez descobertos certos aspectos do ciclo do dinheiro, a questão agora é: como podemos evitar ou interromper os fluxos financeiros da pirataria? A comunidade internacional já reconheceu o perigo que os piratas representam. Como disse o antigo advogado dos EUA Neil MacBride, “Os piratas são criminosos brutais, gananciosos, temerários e desesperados que sequestram, torturam e até matam os reféns em busca de ganhos financeiros”.
 
É preciso fazer esforços combinados para compartilhar e usar as informações financeiras para rastrear e, finalmente, interromper a lavagem dos lucros da pirataria – o dinheiro dos resgates – reduzindo assim o incentivo para cometer atos de pirataria. O modelo da força-tarefa marítima multinacional que coordena as operações navais de manutenção da paz na costa do Chifre da África pode ser replicado no aspecto da inteligência financeira, incluindo o intercâmbio de informações financeiras.
 
O Pirate Trails se concentra na situação do Oceano Índico, mas o estudo tem uma aplicação mais ampla e pode ser usado para enfocar o crescimento da pirataria na costa oeste da África, principalmente no Golfo da Guiné. O rastreamento e a interrupção dos fluxos financeiros são tão importantes quanto qualquer operação naval contra os soldados rasos. Acompanhar o dinheiro é importante em todas as iniciativas antipirataria para detectar os financistas, intermediários, investidores e beneficiários dos piratas – os infratores que realmente controlam o negócio da pirataria.
 
Crédito da foto:Istock.com/gioadventures
 


Authors

Stuart Yikona

Program Manager, Seoul Center for Finance and Innovation, World Bank

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