Protegendo os "novos pobres" da crise econômica do Brasil

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Foto: Sergio Amaral/MDS

O Brasil está no meio de uma recessão profunda iniciada no final de 2015, com uma contração de 3,5% na economia em 2016, aumento do desemprego - de 4,3% em dezembro de 2014 para 11,9% em novembro de 2016 - e queda dos salários reais. Visto que os salários são a principal fonte de renda das famílias pobres e vulneráveis, esta situação põe em risco os avanços do Brasil em matéria de redução da pobreza e da desigualdade. Estimativas do Banco Mundial revelam que a queda da pobreza no Brasil sofreu uma reversão: a pobreza extrema aumentou para 3,4% em 2015 (em relação a 2,8% em 2014) e o percentual de pobreza em 2015 chegou a 8,7% (era 7,4% em 2014). Ao mesmo tempo, a redução da desigualdade parece ter permanecido estável entre 2014 e 2015.

Esses desdobramentos fazem nítido contraste com as conquistas relacionadas à redução da pobreza e desigualdade no Brasil na última década (Figura 1). Entre 2004 e 2014, mais de 28,6 milhões de brasileiros conseguiram sair da pobreza, graças ao rápido crescimento dos empregos formais, salários reais mais elevados e programas de assistência social de natureza redistributiva, como o Bolsa Família. Considerando-se a duração e a gravidade da recessão atual, como o Brasil pode se proteger contra a reversão dos ganhos sociais conquistados na última década?


Figura 1: Avanços na Redução da Pobreza e Desigualdade no Brasil​

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Fonte: Cálculos baseados na PNAD (Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios) 2004-2015.

Um estudo recente do Banco Mundial argumenta que o aumento do orçamento do programa Bolsa Família pode ser fundamental para impedir o ingresso de mais brasileiros na pobreza, até que ocorram as reformas estruturais necessárias no Brasil e os motores do crescimento voltem a funcionar. Nesse trabalho, estimamos o nível do impacto da deterioração das condições macroeconômicas e da diminuição dos mercados de trabalho no Brasil sobre a pobreza e a desigualdade em 2016 e em 2017 e geramos um perfil detalhado dos "novos pobres" associados à crise. Também aproximamos o orçamento suplementar necessário para o Programa Bolsa Família mitigar, efetivamente, os impactos da crise na pobreza e proteger as conquistas históricas do Brasil, principalmente na redução da pobreza e desigualdade.

Nossa análise sugere que a desigualdade e a pobreza aumentaram em 2016 e continuarão elevadas em 2017. No cenário 1 (mais otimista), com uma queda de 3,4% na atividade econômica entre 2015 e 2016 e um aumento de 0,5% entre 2016 e 2017, a estimativa é de que a desigualdade aumente e cerca de 2,5 milhões de pessoas sejam "empurradas" para a pobreza. No cenário 2 (mais pessimista), com uma queda de 3,7% do PIB real entre 2015 e 2016 e de 1,0% entre 2016 e 2017, a desigualdade aumenta ainda mais em 2017; neste caso, a probabilidade é de que 3,6 milhões de pessoas caiam na pobreza. Em ambos os casos, a previsão é de aumento dos percentuais de pobreza, mais em áreas urbanas e menos em áreas rurais (onde os índices já são mais elevados). Nossa análise também revela que as pessoas empurradas para a pobreza pela crise atual - os chamados "novos pobres" - tendem a ser ligeiramente mais jovens, qualificados, localizados em áreas urbanas e na região sudeste; costumavam trabalhar no setor de serviços e são, principalmente, brancos.

Considerando-se a gravidade e duração da atual crise econômica no Brasil, será fundamental transformar o Bolsa Família, para que ele deixe de ser apenas um programa eficaz de redistribuição e passe a ser uma verdadeira rede de segurança, flexível o suficiente para estender sua cobertura às famílias que ficaram pobres recentemente devido à crise. Em 2017, seria necessário um orçamento de R$ 30,41 bilhões (US$ 9,8 bilhões) - face ao orçamento de R$ 26,4 bilhões (US$ 8,51 bilhões) em 2015 - a fim de realmente destinar recursos financeiros escassos às pessoas que mais precisam 1.

Figura 2: Percentuais de Pobreza Estimados sem e com o Aumento da Cobertura do Bolsa Família​

                                                          Cenário 1​                                                                                                                                                              


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                                                        Cenário 2  

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Fonte: Estimativas da equipe do Banco Mundial, com base na PNAD 2015 e o ADePT Simulation Module 

A distribuição do orçamento suplementar do Bolsa Família às famílias de "novos pobres" elegíveis pode impedir o aumento da taxa de pobreza extrema no Brasil além dos níveis atuais, embora seu impacto na prevenção do aumento do percentual de pobreza não seja tão dramático. É importante lembrar que as nossas estimativas do orçamento suplementar necessário para o Bolsa Família têm por base os benefícios reais e regras de elegibilidade atuais do programa, e presumem ajustes anuais no orçamento nominal atrelados à taxa de inflação anual, para que o poder de compra dos benefícios se mantenha constante ao longo do tempo. Se houver atrasos no ajuste do valor nominal das transferências do Bolsa Família à taxa de inflação em vigor, as taxas de pobreza provavelmente serão mais elevadas do que as taxas estimadas no presente relatório, se todos os demais fatores permanecerem inalterados.

Apesar do espaço fiscal limitado em médio prazo, é possível realocar recursos de programas mal direcionados e ineficazes e aumentar a eficiência dos gastos, ampliando os recursos disponíveis para os elementos mais progressistas da política social 2. Este será um passo importante para o Brasil proteger seus cidadãos mais pobres dos efeitos adversos da crise econômica. 

(1) O orçamento nominal de R$ 30,4 bilhões em 2017 foi calculado com base em uma taxa de inflação de 10% entre 2015 e 2017.
(2) Consulte o Brazil Systematic Country Diagnostic (2016) http://documents.worldbank.org/curated/en/180351467995438283/Brazil-Systematic-country-diagnostic

Autores

Emmanuel Skoufias

Lead Economist at the Poverty & Equity Global Practice of the World Bank Group

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