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Pescando por Lucros de Maneira Sustentável

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O bacalhau em muitas formas, de peixe seco para exportação à Nigéria até colágeno e óleo para venda em outros lugares. Foto: João Moura / Banco Mundial


Das praias de areia branca de Moçambique aos portos cobertos de neve da Islândia, uma delegação do governo de Moçambique descobre como direitos transacionáveis, gestão transparente e pesquisa e análise podem transformar uma indústria pesqueira.

A terra e o mar estavam cobertos de branco quando o nosso voo aterrissou na invernal Reykjavik. Para muitos da delegação do Ministério do Mar, Águas Interiores e Pescas de Moçambique (MIMAIP) -  viajando para aprender sobre desenvolvimentos de ponta na gestão de pescarias - foi a primeira vez que viram neve. Ao escorregar pelas calçadas congeladas a caminho da Direcção das Pescas da Islândia, usando roupas de inverno improvisadas, mal conseguíamos acreditar que 24 horas antes desfrutávamos do sol quente de Maputo.

"Como alguém pode pescar nesse clima?" exclamou um dos meus colegas, puxando o chapéu para baixo para se proteger do vento gelado.

"Talvez por ser tão difícil, eles podem cobrar muito pelo peixe, e é por isso que ganham tanto dinheiro aqui", um outro respondeu com a voz abafada pelos panos e roupas que envolviam seu pescoço.

Mas, à medida que a semana avançava, percebemos que a pesca islandesa não era tão difícil como imaginávamos, pelo menos não hoje em dia. Um olhar para a história da pesca no país nos mostra isso.

Hoje a pesca comercial na Islândia prospera. Não é necessário grande esforço para fazer uma boa captura, o que ajuda a reduzir o combustível consumido e os custos operacionais da atividade pesqueira. O resultado é um aumento no lucro e uma redução nas emissões de carbono da indústria.

Fomos, no entanto, lembrados pelos colegas islandeses mais de uma vez que a vida na indústria pesqueira nem sempre prosperou assim.

Ao longo da segunda metade do século 20, a indústria do bacalhau da Islândia sofreu com a alta mortalidade da espécie, declínio dos estoques e lucratividade limitada. Com a diminuição da população de bacalhau, espécie responsável por mais de um terço do valor do setor, houve forte pressão para proibir os navios de pesca estrangeiros em águas islandesas.

Da década de 1950 até a década de 1970, uma série de disputas internacionais sobre os direitos de pesca no Atlântico Norte resultou nas chamadas "Guerras do Bacalhau", sendo estabelecida como Zona Económica Exclusiva (ZEE) uma distância de 200 milhas náuticas ao redor do país, o que só foi considerado padrão pela ONU em 1982.

 

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A delegação de Moçambique explorando uma embarcação pesqueira em um porto islandês. Foto: João Moura / Banco Mundial


Os navios estrangeiros não são o único problema

Ainda que a nova ZEE tenha restringido a exploração dos pescadores internacionais, a falta de fiscalização no setor doméstico implicou a continuação do esforço de pesca excessivo. De acordo com funcionários do governo, membros do setor privado e da academia, a mentalidade do setor pesqueiro da Islândia não mudou até a introdução de um sistema de cotas no início dos anos 1980.

Nesse sistema, cada embarcação recebe uma cota permanente, limitando-se o volume que a mesma pode capturar ao longo do tempo. Isso se traduz na distribuição de cotas anuais, calculada na base de uma percentagem da captura admissível naquele ano. Para tornar o sistema financeiramente atraente para os pescadores, tanto as cotas permanentes como as anuais funcionam como direitos privados que podem ser transacionados. Isso, quando combinado com regulamentos para promover a alocação eficiente de recursos e evitar o comportamento especulativo, incentiva o pensamento de longo prazo e a sustentabilidade.

Da perspectiva de Moçambique

A partir de Moçambique, onde a sobre-exploração de recursos pesqueiros é cada vez mais preocupante e a necessidade de um sistema mais equitativo e sustentável para a gestão dos recursos oceânicos é clara, o sistema de cotas da Islândia parece uma solução possível. Mas, como nossos anfitriões foram rápidos em apontar, os benefícios das cotas não surgem como mágica.

Reunião após reunião fomos informados de que havia três elementos-chave para o sucesso do sistema de cota islandês: (i) análise robusta de dados biológicos, administrativos e econômicos; (ii) transparência completa na gestão; e (iii) um sistema efetivo de monitoramento, controle e vigilância baseado em risco.

Em uma visita à cidade pesqueira de Grindavik, a 50 km ao sul da capital Reykjavik, testemunhamos os avanços na análise de dados, transparência e monitoramento realizados pela Islândia. Depois de passar a tarde admirando o majestoso longliner Fjölnir GK-157, da empresa de pesca Vísir, retornamos à Direção de Pescas no Ministério das Indústrias e Inovação para ver como suas capturas foram monitoradas.

No site da Direção, encontramos informações precisas sobre as capturas de cada navio, separadas por espécie, porto e data. No dia em que visitamos Grindavik, nosso belo Fjölnir GK-157 entregou 53 toneladas de bacalhau e 17 toneladas de ling pouco antes da nossa visita à embarcação.

Enquanto estávamos ocupados admirando a facilidade de obter essas informações, nossos colegas islandeses enfatizavam a importância da pesquisa voltada para inovação e desenvolvimento do setor, a exemplo o trabalho que estão fazendo com o desenvolvedor de software e máquinas Marel, com as comunidades acadêmicas e de conhecimento como a MATÍS, e com incubadoras como o Ocean Cluster.

Deixamos as temperaturas sub-zero da Islândia e voltamos para casa com muitas ideias sobre o potencial da indústria pesqueira moçambicana.

A Islândia nos forneceu uma forte imagem de como direitos privados podem reduzir a exploração e levar a uma melhor administração dos recursos oceânicos. Vimos em primeira mão como uma combinação de boa gestão, disponibilidade de dados e transparência, e colaboração entre pesquisadores, tomadores de decisão e comunidades podem contribuir para o crescimento econômico sustentável no setor pesqueiro.

A Islândia nos mostrou o que Moçambique pode se tornar, mas não acredito que nenhum dos meus colegas troquem nossas águas quentes pelas geladas do Atlântico Norte.

A visita à Islândia ocorreu entre os dias 26 de novembro e 2 de dezembro de 2017. A delegação moçambicana foi composta por dez funcionários do Ministério do Mar, Águas Interiores e Pescas, acompanhados por um funcionário do Banco Mundial. A visita não teria ocorrido sem o apoio de André Aquino e Xavier Vincent no lado do Banco Mundial. Um agradecimento especial a Brynhildur Benediktsdóttir, Arnór Snæbjörnsson, Þórarinna Söebech e Tumi Tómasson, que asseguraram organização e logística impecáveis durante a visita.


Autores

Joao Moura Estevao MarquesdaFonseca

Natural Resources Management Specialist

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