Publicado em Africa Can End Poverty

As “dívidas ocultas” de Moçambique: Transformar a crise numa oportunidade para reformas

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Poverty Increase has been a fallout of the Hidden Debt crisis in Mozambique. Poverty Increase has been a fallout of the Hidden Debt crisis in Mozambique.

Em 2016, a descoberta de dívidas previamente não divulgadas interrompeu a trajectória de desenvolvimento de Moçambique. Moçambique era uma das 10 economias do mundo em crescimento acelerado durante duas décadas. Era um dos países predilectos dos doadores e o destino de 10-15% do total dos fluxos de investimento directo estrangeiro (IDE) na África Subsariana. 

O que aconteceu?

O ímpeto do crescimento económico foi interrompido com a revelação de vários “empréstimos ocultos” apoiados pelo estado, garantidos sem aprovação parlamentar. Em 2013 e 2014, um grupo de altos funcionários do governo criaram três empresas públicas (EP) que consumiram mais de USD 2 000 milhões de dívida, o equivalente a cerca de 12% do produto interno bruto (PIB). Alegadamente, os fundos destinavam-se a construir estaleiros, desenvolver a pesca de atum e a policiar a costa – com financiamento concedido pelo Crédit Suisse, VTB e BNP Paribas, três bancos importantes. Cercca de USD 1 300 milhões deste montante não foi divulgado até que os meios de comunicação social internacionais deram a conhecer em 2016. Estes empréstimos violaram o programa do Fundo Monetário Internacional (FMI) em vigor na altura, e a política de concessão de empréstimos em condições não concessionais da Associação Internacional para o Desenvolvimento, resultando na total suspensão do apoio orçamental pelas duas instituições e outros parceiros de desenvolvimento.

O episódio das “dívidas ocultas” expôs as debilidades da governação económica do país na altura. Em 2017, Moçambique concluiu uma auditoria independente dos “empréstimos ocultos”, documentando o incumprimento dos procedimentos devidos ao abrigo da lei moçambicana. Em seguida, o Procurador-Geral de Moçambique instaurou processos de infracção à vários representantes governamentais moçambicanos envolvidos na contratação dos empréstimos e o supervisor financeiro britânico  moveu um processo às instituições financeiras de crédito. Há vários julgamentos em curso em diversas jurisdições. Quando os empréstimos foram realizados, o enquadramento regulamentar das garantias do estado exigia apenas que as garantias permanecessem dentro do limite anual; a lei foi omissa quanto a quem deveria aprovar a dívida objecto de garantias estatais.   

Qual foi o impacto?

A crise dos “empréstimos ocultos” arrastou Moçambique para uma recessão económica prolongada. O crescimento baixou para metade, de 7,7% em 2000–2016 para 3,3% em 2016–2019. O Metical sofreu uma depreciação drástica, a inflação disparou para 17,4% no fim de 2016 e o espaço fiscal ficou acentuadamente reduzido.  O IDE reduziu drasticamente, já que os investidores internacionais perderam a confiança. Os empréstimos em termos concessionais das instituições financeiras internacionais ficaram bastante mais limitados, tendo a ajuda oficial caído de 17,5% para 12,4% do PIB entre  2013 and 2018.

À medida que eram conhecidos os passivos ocultos, a dívida externa pública ou com garantia pública de Moçambique explodia de 61% do PIB em 2016, para 104% em 2018.    O ónus do serviço da dívida em cada ano era demasiado elevado para a economia suportar, tendo Moçambique entrado em incumprimento da dívida em 2016. Como resultado, as agências de notação de crédito reduziram a classificação da dívida soberana para incumprimento selectivo ou limitado, e o Banco Mundial e o FMI reclassificaram a dívida externa de Moçambique como “em situação grave”.

Como é que o Banco Mundial respondeu?

Após a suspensão do financiamento da política de desenvolvimento, ou seja Development Policy Lending(DPL), o Banco orientou a sua carteira para a assistência técnica destinada a ajudar a resolver as deficiências de governação que levaram à crise. O programa de assistência técnica (AT) da Gestão Económica para Desenvolvimento Inclusivo (GEDI) tem estado a prestar apoio em termos de gestão e transparência da dívida, riscos fiscais (incluindo riscos de crédito das EP)  e gestão do investimento público. Na falta de  DPL  e de um programa do Fundo, o programa de AT proporcionou um ponto de entrada para o tão necessário diálogo sobre políticas com as autoridades e ajudou a firmar esforços internos de reformas. Para além do apoio prestado à criação de capacidade e apoio analítico, o programa foi fundamental para equacionar as grandes lacunas legislativas e regulamentares que abriram caminho ao grave desvio de fundos públicos.

Com o apoio do Banco Mundial prestado através do programa GEDI, as autoridades tomaram uma série de medidas críticas no domínio institucional e das políticas:

  • Endurecimento dos controlos e verificações das garantias e recomeço de relatórios da dívida transparentes: O Governo de Moçambique (GoM) adoptou novas regulamentações em 2017 para reforçar a gestão e garantias e transparência da dívida. Além disso, melhorou a Administração das EP em 2018 através de uma nova lei que aperfeiçoa a supervisão e a governação empresarial. As autoridades apertaram o controlo sobre o endividamento das EP, exigindo um processo de aprovação mais rigoroso. Alavancado pela Política de Financiamento do Desenvolvimento Sustentável (SDFP) da IDA, recomeçou a publicação de relatórios da dívida em 2019, alargando a cobertura às EP.
  • Introdução de declarações sobre riscos orçamentais, incluindo riscos do crédito das EP: Com o apoio do GEDI, o GoM passou a produzir, a partir de 2019, declarações sobre os riscos orçamentais, um passo essencial para se conterem os riscos das EP. Foi também aprovado recentemente um enquadramento da avaliação do risco de crédito para as garantias e reempréstimos às EP. Igualmente com o apoio da SDFP, as autoridades utilizaram estas metodologias para preparar relatórios sobre o risco de crédito de sete grandes EP.          
  • Criação de um sistema e de um enquadramento regulamentar para a gestão do investimento público (PIM): Moçambique adoptou um enquadramento regulamentar do PIM em 2020. Os regulamentos exigem que todos os projectos de investimento público sejam pré-avaliados com vista a retornos socio-económicos antes de serem financiados e tenham em consideração a resiliência `a desastres naturais. Estas reformas foram apoiadas, desde o início, pelo GEDI, ajudando as autoridades a desenvolver sistemas de TI para as avaliações de projectos.

Estas reformas levaram à adopção de um Lei Geral revista sobre a Gestão das Finanças Públicas (PFM) em 2020, integrando o sector das EP e organismos descentralizados no sistema orçamental, pela primeira vez.   

O que aprendemos?

  • O reforço da transparência e do registo da dívida é um processo gradual: Apesar de as autoridades abrangerem agora o governo central e as EPs em relatórios sobre a dívida, os dados da dívida do governo central não são registados em um só local e a dívida das EPs não está centralizada no Ministério das Finanças. O apoio em curso dá prioridade à migração para o novo sistema do Secretariado da Commonwealth, colocando em um único local o registo e o relatório da dívida de todo o sector público.
  • São essencias reformas mais profundas das EP. Várias empresas públicas continuam a sofrer de um desempenho insatisfatório no campo financeiro e operacional. Apesar das reformas legais, a supervisão das EP é fragmentada.  As obrigações de serviço público (operações paraorçamentais) minam o desempenho das EP. Algumas destas lacunas estão a ser equacionadas através das DPO e projectos em curso do Banco Mundial.
  • É vital a calibração das iterações. As reformas estruturais são processos iterativos, em que cada ronda fornece uma maior compreensão e adesão por parte das autoridades. A trajectória das reformas acima mencionadas atende à necessidade de se começar modestamente, testando inovações através de AT antes de as consagrar em legislação.
  • O control tem uma importância crítica. Na sequência da crise das dívidas ocultas, plenamente conscientes das deficiências da governação na altura, as autoridades assumiram o comando das reformas, da concepção à execução. O programa de AT foi integralmente incorporado no Ministério das Finanças e tem sido fundamental para o país conseguir alavancar as suas próprias iniciativas de reformas e  conduzi-las na direcção certa.
  • O momento é essencial. A crise que se seguiu ao escândalo das “dívidas  ocultas” foi uma excelente oportunidade para a realização de reformas. Períodos de recessão económica abrem muitas vezes caminho à implementação de reformas difíceis, mobilizando as pessoas em torno delas ou enfraquecendo os grupos de interesses contrários.  

 

Os autores gostariam de agradecer as contribuições da Shireen Mahdi, Fernanda Massarongo e Anna Carlotta Allen Massingue na concepção e implementação do programa de Assistência Técnica.


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