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À medida que a atenção do mundo se volta para a Conferência Internacional sobre AIDS, realizada esta semana, em Washington D.C, vale a pena destacar o importante trabalho realizado pela América Latina e o Caribe (i) na abordagem do HIV/AIDS (i).
Nas duas últimas décadas, a região aumentou de modo significativo o nível de debate e de conscientização sobre esse tema, desenvolvendo estratégias nacionais contra o HIV/AIDS (i), integrando respostas à epidemia aos sistemas de saúde e garantindo uma conscientização quase universal sobre os fatores de risco para transmissão do HIV. Mas ainda não estamos falando o suficiente sobre sexo.
Apresentamos a seguir os motivos. À medida que a prevalência do HIV se estabiliza, a região precisa prestar mais atenção às populações em maior risco - homens que fazem sexo com homens, profissionais do sexo, usuários de drogas injetáveis e populações móveis – em vez do público em geral. Trabalhar com o público em geral tem sido fundamental para aumentar a consciência e cultivar algum suporte para programas públicos. Mas, uma vez que a maioria das novas infecções está ocorrendo em populações específicas, nenhum progresso maior será possível até que os programas de HIV atendam com sucesso a esses grupos.
Até hoje, apenas uma pequena fração dos programas está fazendo isso. Os esforços são ainda insuficientes para (i) identificar aqueles em maior risco, (ii) monitorar o comportamento de risco, tais como padrões de prática sexual e uso de drogas, e (iii) detectar e compreender o surgimento de novos casos de HIV através da vigilância da incidência do HIV e de padrões de comportamento. Além disso, os tabus culturais, o estigma relacionado ao HIV e, especialmente, a homofobia, têm muitas vezes restringido o debate franco sobre as práticas sexuais e comportamentais que levam à epidemia HIV/AIDS no Caribe. O ambiente altamente estigmatizado em torno desses grupos tem dificultado a criação de suporte para uma resposta consolidada. Isto, por sua vez, deixou tais grupos em risco permanente.
No entanto, apesar dos desafios enfrentados pelos países para identificar as pessoas em situação de maior risco, a região poderá extrair um aprendizado de muitas experiências promissoras que têm o potencial de contribuir para um diálogo sobre políticas que não seja tímido e fale abertamente sobre sexo.
- Compreender os padrões de comportamento entre as populações mais vulneráveis. A primeira Pesquisa de Vigilância Comportamental da República Dominicana adotou uma abordagem participativa inovadora, que produziu resultados estatísticos significativos sobre a situação da epidemia entre os grupos com maior risco de contrair HIV/AIDS. Em Barbados, está sendo realizada uma pesquisa comportamental sobre a situação sorológica para a infeção pelo HIV em homens que fazem sexo com homens, que adota a mesma metodologia. Na América Central, todos os países desenvolveram uma agenda de pesquisas para uma vigilância de segunda geração. Em conjunto, essas enquetes e pesquisas estão aumentando a conscientização sobre as práticas sexuais e comportamentais das pessoas mais expostas a risco e gerando conhecimento com o objetivo de identificar esses grupos com maior eficiência.
- Compreender a prática sexual dos profissionais do sexo. Profissionais do sexo que participam do Programa Nacional de Combate ao HIV/AIDS no Brasil apresentaram um significativo aumento no uso de preservativos – com clientes e parceiros habituais – em relação aos não-participantes. As iniciativas de prevenção na Jamaica tiveram como resultado que 90% de mulheres profissionais do sexo consistentemente relataram terem usado preservativo com seu cliente mais recente. Embora isto possa parecer uma distinção menor, é de fato crucial, uma vez que o uso de preservativos é geralmente menor entre novos parceiros pagantes.
- Direcionar os serviços de prevenção para homens que fazem sexo com homens (HSH). No Brasil, o Programa Nacional de HIV/AIDS disponibilizou serviços de teste dirigidos aos homossexuais e bissexuais masculinos, entre os quais a proporção que ja fez o teste HIV é consideravelmente maior do que para a população em geral. Em São Vicente e Granadinas, foi concluído um importante estudo sobre HSH , que contém dados úteis para o direcionamento dos serviços nesse sentido. Trata-se de um estudo inédito no Caribe, levando-se em conta o alto nível de estigma e de discriminação que predomina na região.
- Direcionar o tratamento para as populações mais vulneráveis. Com o atendimento de 86% das pessoas que necessitam de medicamentos antirretrovirais (ARVs), Barbados ultrapassou a meta nacional de 80% e pode ser visto como um líder para assegurar o acesso universal ao tratamento de HIV para sua população. Estudos comportamentais estão sendo realizados em Barbados entre os principais grupos populacionais para melhor compreender os determinantes da epidemia e continuar a garantir que as pessoas diagnosticadas como soropositivas também tenham acesso aos serviços de tratamento de HIV.
- Eliminar a lacuna para atender às populações migrantes. Um esforço regional na América Central identificou populações migrantes que se deslocam com frequência em um país ou entre nações e adotam comportamentos que aumentam o seu risco de contrair HIV/AIDS, como ter muitos parceiros simultaneamente. As populações migrantes representavam uma lacuna na região já que nenhum país priorizou esse grupo de risco. A iniciativa regional contribuiu para proporcionar a essas pessoas acesso a informações e prevenção, como preservativos e testes de HIV nas áreas de fronteira.
- Engajar as organizações da sociedade civil para atender com eficiência às pessoas mais vulneráveis. A Guiana e os países do Leste do Caribe, como St. Kitts e Nevis, Santa Lúcia e São Vincente e Granadinas, construiram parcerias com organizações da sociedade civil (OSCs) para chegar até as pessoas mais vulneráveis. Desde o início do seu programa de trabalho com as OSCs, a Guiana se concentrou nos grupos mais em risco, o que resultou na criação de um site de uma OSC na Internet que contribuiu para o desenvolvimento de um senso comunitário entre os homens que fazem sexo com homens. St. Kitts e Nevis criou uma parceria com a Aliança Caribenha contra o HIV/AIDS, uma organização internacional que atua junto a grupos vulneráveis e de alto risco na prevenção da AIDS. Desta forma, a iniciativa foi capaz de atender a mais do que o dobro do número de grupos de risco identificados no início do programa. Santa Lúcia e São Vicente e Granadinas também focaram esses segmentos mais vulneráveis da população nas atividades das organizações da sociedade civil.
Essas experiências, que emergem tendo como pano de fundo um cenário altamente estimatizado, oferecem oportunidades promissoras para a América Latina, o Caribe, e os seus parceiros redobrarem nossos esforços para alcançar os mais necessitados. Então, vamos falar sobre sexo?
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