O impacto da Covid-19 no setor produtivo brasileiro foi grave, com uma queda da produção industrial de 18,8% em abril após um declínio de 9,1% em março, um valor recorde. Em abril, mais de 860 mil empregos foram perdidos, com o número de pedidos de seguro desemprego chegando a 960 mil em maio - um aumento de 53% em relação ao ano anterior. Esse aumento do desemprego ocorreu apesar de, até a primeira semana de junho, mais de 10 milhões de trabalhadores terem seus contratos suspensos ou salários reduzidos de acordo com a MP 936, o que compensou, ao menos temporariamente, a extinção de empregos.
Segundo as nossas estimativas, o impacto mais grave é sentido pelas micro e pequenas empresas (MPEs) devido à natureza de suas atividades econômicas, geralmente baseadas em interações presenciais (por exemplo, varejo, acomodação, turismo e outros). Essas empresas necessitam urgentemente de financiamento de capital de giro durante o lockdown, visto que precisam continuar a cumprir suas obrigações e, na ausência de novas receitas, as reservas de caixa se esgotam rapidamente. De fato, de acordo com dados do SEBRAE, 89% das MPEs apresentaram uma queda média de 60% nas receitas; ainda mais alarmante, as nossas estimativas indicam que as reservas financeiras de grande parte das MPEs (entre 39% e 56%) não chegam a 21 dias.
Para proteger as empresas viáveis, evitar demissões em massa e preservar a renda das famílias, o governo e o Banco Central lançaram um forte pacote de apoio às empresas e ao setor financeiro, incluindo medidas de apoio à liquidez, diferimento de impostos e medidas trabalhistas para compensar os salários, flexibilizar os contratos e aliviar os encargos regulatórios. O acesso a essas medidas de apoio será fundamental para a sobrevivência das empresas e a manutenção dos empregos, conforme mostra o programa de subsídios salariais da MP 936.
A despeito da posição financeira sólida dos bancos e do pacote de apoio lançado pelo governo, o aumento do risco de crédito devido à inadimplência pode inviabilizar a sustentabilidade dos empréstimos para as MPEs. O levantamento do SEBRAE mostra que apenas 14% das MPEs que buscaram crédito obtiveram sucesso. A escassez de crédito, por sua vez, faz com que os problemas de liquidez das MPEs evoluam para problemas de solvência, resultando em ainda mais empréstimos inadimplentes e aumentando a vulnerabilidade do setor financeiro, o que gera um círculo vicioso no qual as pressões do setor financeiro podem impedir a recuperação real do setor.
À medida que o país reabre parcialmente a economia e o foco se desloca para a fase de recuperação, é importante avaliar quais medidas devem permanecer em vigor por algum tempo e quais devem ser ainda mais direcionadas para minimizar seus custos fiscais. No curto prazo, serão necessárias novas medidas de apoio para facilitar a adaptação das empresas aos novos protocolos de saúde que se fazem necessários (por exemplo, adaptação de espaços, treinamento de funcionários, equipamentos médicos e de saúde e outros). As empresas precisarão elaborar e implementar esses novos planos de emergência e saúde, que podem ser facilitados com o apoio de serviços de extensão como o SEBRAE e o SENAI.
Um fator fundamental para a definição e implementação dessas políticas será a coleta, em tempo real, de dados econômicos e de saúde para monitorar a situação e agir com rapidez e precisão em caso de reincidência da doença. Isso será essencial para minimizar os custos econômicos da pandemia.
Também pode ser uma excelente oportunidade para acelerar a reforma regulatória empreendida pelo governo e reduzir os custos excessivos de se fazer negócios no Brasil. Implementar e acelerar as reformas para melhorar os procedimentos de insolvência, a abertura de empresas e a proteção dos investidores minoritários são medidas fundamentais para garantir a sobrevivência de empresas lucrativas , reduzindo os custos trabalhistas, agilizando a saída de empresas e, principalmente, facilitando a entrada de novas empresas que criam novos empregos. Alguns países estão alterando seus mecanismos de insolvência com medidas temporárias, visando preservar o funcionamento das empresas viáveis em vez de empurrá-las prematuramente para o caminho da liquidação.
A disponibilidade de financiamento será um fator crítico para o ritmo da recuperação econômica. As empresas precisarão de financiamento para investir e restabelecer o capital de giro. É fundamental, portanto, conter os riscos à estabilidade do setor financeiro, monitorar cuidadosamente as políticas macroprudenciais e fortalecer a rede de segurança financeira - por exemplo, por meio do projeto de resolução bancária (PLP 281/2019) em análise no Congresso. Em vista da importância do aumento do risco de crédito, os países têm recorrido à expansão e ajuste de mecanismos de garantia pública parcial ao crédito, além de alavancar soluções tecnológicas para facilitar o financiamento da cadeia de suprimentos por parte das MPEs.
No Brasil, além dessas medidas, a implementação de um sistema bancário aberto promoverá a eficiência e a concorrência entre bancos e não-bancos, facilitando ainda mais o financiamento das MPEs. Além disso, as MPEs - que, tipicamente, têm poucas garantias a oferecer - se beneficiariam de reformas que facilitem o registro, negociação e desconto de garantias não-tradicionais, como duplicatas e recebíveis de cartão de crédito, além de políticas de garantias públicas parciais.
As MPEs estão entre os agentes econômicos mais vulneráveis e mais atingidos pela pandemia. São responsáveis por cerca de 60% dos empregos não-públicos no setor formal , excluindo-se os microempreendedores individuais (MEI); se considerarmos os MEIs, a taxa pode chegar a cerca de 80%. Elas também apoiam muitos trabalhadores vulneráveis. É essencial garantir que as MPEs se beneficiem de financiamento e de medidas de apoio aos negócios para superar a pandemia.
A crise atual também é uma oportunidade para acelerar a simplificação do ambiente de negócios e ajudar as empresas a acelerarem o processo de digitalização motivado pela pandemia.
Este texto foi originalmente publicado na Folha de S. Paulo e escrito em colaboração com Bujana Perolli, especialista sênior de setor financeiro do Banco Mundial e Xavier Cirera, economista sênior do Banco Mundial.
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