Como a lei brasileira vê a mulher?

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Piscicultoras em Jatobá, interior de Pernambuco

De um ponto de vista estritamente jurídico, a igualdade entre homens e mulheres no Brasil é quase plena. É uma informação destoante da realidade do dia a dia, mas também impressionante quando se compara a legislação brasileira com as demais. Na minha experiência com a equipe do Mulheres, Empresas e o Direito, vieram à tona dados surpreendentes. Conheça alguns deles a seguir.
 
Até 1988, só o homem era considerado chefe de família
Apesar de o Brasil ter ratificado a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação, em 1984, foi só com a Constituição de 1988 que alguns dispositivos discriminatórios do Código Civil caíram. Até então, apenas o homem era considerado chefe de família e responsável por administrar o lar e o patrimônio conjugal.
 
18 anos é a idade legal para o casamento de meninas, mas...
Embora o Brasil estipule em 18 anos a idade legal para o casamento de meninas e preveja a anulação do casamento infantil, a lei autoriza que meninas se casem a partir dos 16 se tiverem o consentimento dos pais. Além disso, a lei permite o matrimônio a qualquer idade se a menina estiver grávida. Resultado: o Brasil tem o maior número de casamentos infantis na América Latina e o quarto número mais alto do mundo. Além disso, 36% das meninas no Brasil já estão casadas aos 18 anos, como mostramos no novo relatório Fechando a Brecha: Melhorando as Leis de Proteção à Mulher contra a Violência. Também vale destacar que 24 países da América Latina preveem pena a quem autorize o casamento precoce, mas o Brasil não está entre eles.
 
Faltam leis contra o assédio sexual na escola e em lugares públicos
Você sabia que a legislação brasileira contra o assédio sexual no trabalho é forte? Em compensação, quando analisamos os dispositivos específicos contra o assédio nas ruas, nos meios de transporte e outros espaços públicos, descobrimos que não existe legislação. O mesmo vale para as escolas.
 
A discriminação no mercado de trabalho se dá de muitas formas
O Brasil proíbe a discriminação de gênero na hora da contratação, mas persistem algumas questões, como a salarial e o fato de os recrutadores poderem perguntar sobre o estado civil da mulher. Uma curiosidade é o fato de a trabalhadora poder fazer quase os mesmos ofícios do homem, menos os que exijam levantar peso. A Consolidação das Leis do Trabalho proíbe a contratação de mulheres em serviço que demandem o emprego de força muscular superior a 20kg para o trabalho continuo ou 25kg para o trabalho ocasional. Curiosamente, esse é o peso médio de uma criança de 5 anos. Pode-se inferir, portanto, que deveria haver legislação protegendo as mães de carregar seus filhos no colo, não é?
 
A mãe trabalhadora ainda concentra a maior parte dos cuidados com os filhos
No Brasil, a licença-maternidade dura no máximo seis meses; a paternidade, 20 dias. Já os países nórdicos, Portugal e outros têm começado a tratar da questão da licença como um direito a ser compartilhado entre os pais. Trata-se da licença parental, que em geral é longa duração. Convém notar que isso afeta as oportunidades da mulher na hora da contratação. Um empregador, ao deparar-se com dois candidatos jovens, um homem e uma mulher, geralmente leva em consideração o fato de que ela lhe trará ônus adicionais em função da maternidade. Mas, quando a licença passa a ser compartilhada, tal paradigma muda, e mesmo esse ônus passa a ser dividido.

A participação política da mulher pode avançar
Um dos temas que analisamos no Mulheres, Empresas e o Direito é a questão das cotas. Por exemplo, observamos que no Brasil os partidos têm de apresentar um percentual mínimo de 30% de candidatas, mas não existe de fato uma cota de representação em parlamentos, em diretorias de empresas. Enquanto isso, em 40% dos países já existem cotas desse tipo como uma ação afirmativa. Embora os estudos e argumentos sejam controversos, nota-se que de fato elas promovem concretamente uma maior participação da mulher. Acreditamos que a lei inicialmente serve para moldar o comportamento, para determinar uma mudança de paradigma e então é assimilada pela sociedade como um todo. Depois, pode-se até tirar essas cotas, porque de alguma forma a sociedade já avançou e atualizou o pensamento nesse sentido.
 
Uma última questão: a mudança na educação e iniciativas de conscientização são tão importantes quanto a mudança na legislação. As leis têm a função de regulamentar relações, instituições, processos sociais, mas precisam estar associadas a uma implementação efetiva, a mecanismos de sensibilização, para que sejam levadas a uma escala mais ampla. Isso vale para todas as leis, inclusive as que trazem mais oportunidades econômicas para a mulher. 

Este blog foi originalmente publicado na edição brasileira do Huffington Post

Autores

Paula Tavares

Senior Legal and Gender Specialist

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