Fotos por Gregoire Gauthier e Satoshi Ogita
Marcos Ribeiro, quase com lágrimas nos olhos, explica à equipe do Banco Mundial as imensas oportunidades que vê para a agricultura moderna, ecológica. O jovem produtor de frutas tropicais está diante de sua pequena propriedade, a cerca de 15km de Palmas, capital de Tocantins, o mais jovem estado brasileiro.
“Estamos a 20 minutos de caminhão de uma cidade de 250.000 habitantes, a cerca de 20km do aeroporto, e a uns 800km do grande mercado consumidor de Brasília. Temos água e sol o ano inteiro. Só precisamos reparar as bombas de irrigação para conseguir um retorno de 40% sobre o nosso investimento,” diz ele.
Marcos e diversos outros produtores revitalizaram a associação de usuários do sistema de água, estão dispostos a assinar um contrato com o governo estadual, ao qual pertence a infraestrutura de irrigação, e pagar uma taxa de uso para recuperar o investimento, a operação e os custos de manutenção. Estão até pensando em pedir um empréstimo para financiar a instalação de painéis solares destinados a substituir a onerosa energia da rede que alimenta as bombas.
A reparação das bombas é um dos investimentos financiados no contexto do Projeto de Desenvolvimento Regional Integrado e Sustentável (PDRIS) no Tocantins, um empréstimo de US$ 300 milhões ao governo do estado. O projeto multissetorial é construído em torno da importância da conectividade para o desenvolvimento econômico. Seu principal componente financia a reabilitação de estradas estaduais e municipais, concentrando-se em ligar a parte oeste do estado a seu principal eixo norte-sul.
Tocantins está no coração da nova fronteira agrícola do Brasil. Seus principais produtos são soja, milho e gado. Uma concessão ferroviária, operada por uma empresa de logística integrada, de propriedade majoritária da Vale, recebe cerca de 6 milhões de toneladas de grãos em dois imensos terminais ferroviários situados no centro do estado e as transporta até o seu próprio terminal portuário de São Luís, cerca de 1.000 km ao norte.
Espera-se que em breve a ferrovia Norte-Sul esteja operando plenamente desde Anápolis (GO), próximo a Brasília. Também há planos de investimentos em grande escala no Tocantins para construir capacidade de processamento de carne no estado e instalar frigoríficos para seu armazenamento ao longo dos terminais ferroviários. O componente de assistência técnica do PDRIS ajuda o estado a planejar suas necessidades logísticas.
No entanto, a conectividade tem seus custos. Ao longo do principal corredor Norte-Sul, a prostituição de adolescentes acompanhou o aumento do tráfego de caminhões. Perguntei sobre isso à diretora de uma escola de uma cidade pequena situada no eixo principal. Primeiro recebi uma resposta evasiva.
Mas depois conversamos sobre as taxas de evasão escolar no 9º ano do ensino fundamental e no 1º ano do ensino médio, e ela admitiu que os meninos deixam a escola para ir trabalhar em propriedades rurais ou lavar caminhões na rodovia (e alguns por causa de drogas), enquanto algumas meninas saem para ganhar dinheiro rapidamente na prostituição, às vezes forçadas pelos próprios pais.
O PDRIS financia a reabilitação de seis escolas piloto ao longo da rodovia, além da capacitação de professores e a introdução de escolaridade em tempo integral. A ideia é que um ambiente mais limpo e agradável, com professores bem preparados, poderia incentivar as crianças a continuarem a estudar, enquanto a formação especial para os professores pode ajudá-los a lidar melhor com a prostituição, as drogas e outros desafios trazidos pela conectividade.
A diretora acredita que sua escola recém reformada registrará melhoras significativas no resultado de aproveitamento, o que atrairá mais alunos e talvez até alguns dos que abandonaram os estudos no passado.
Não existem soluções fáceis a cerca de 300km a Oeste dali, na Ilha de Bananal, a maior ilha fluvial do mundo, com seus 130km de norte a sul no Rio Araguaia. Cerca de dois terços da ilha são territórios indígenas demarcados e abrigam vários milhares de indígenas das tribos Karajá, Javaé e Krahô-Kanela. Visitamos duas aldeias, cada uma com em torno de mil habitantes.
Após longo processo de consulta pública, os moradores identificaram os 30km de estrada de terra que liga as duas aldeias como prioridade para o investimento no contexto do PDRIS. A estrada é usada para que os moradores das aldeias visitem-se mutuamente e cheguem ao ferry que os leva até a cidade mais próxima, situada no lado oposto ao extremo sul da ilha.
Tradicionalmente, o principal modo de transporte era o fluvial, única opção na estação das chuvas. Os moradores das aldeias querem elevar a estrada e cobri-la com brita para poderem transitar mesmo quando as águas sobem.
Pensamos que a justificativa econômica permanece um pouco duvidosa. O custo do investimento necessário seria alto e, quando a visitamos, a estrada estava seca e não vimos praticamente tráfego algum. Mas pode haver um fundamento não econômico, talvez não menos importante. Esses grupos indígenas não estão mais isolados. Interagem com a economia moderna, à qual estão expostos, com telefone celular e tudo. Durante nossa visita, tomamos conhecimento das taxas assustadoramente altas de suicídio de adolescentes na comunidade.
As razões disso não são bem compreendidas, mas os líderes da aldeia explicam que, para os jovens, o maior desafio é estarem conectados ao mundo moderno e, ao mesmo tempo, sentirem-se isolados e discriminados por ele. Uma estrada que seja transitável o ano inteiro pode reduzir um pouco esta tensão. Conectividade no sentido de não ser esquecido.
Outro tipo de conectividade é de pouco interesse para os indígenas, mas muito atrativa para os grandes produtores de soja do outro lado do Araguaia, no Mato Grosso: eles gostariam que fosse construída uma estrada atravessando a Ilha de Bananal para ter acesso mais rápido à ferrovia Norte-Sul e dali aos mercados para os quais exportam na Europa e na Ásia. Os chefes das aldeias não querem nem ouvir falar nisso. A conectividade deveria ser para as pessoas locais. Uma rodovia de passagem só traria mais problemas.
O PDRIS não será capaz de resolver esse conflito. Mas está claro que o Brasil precisa de ambas: 1) conectividade com os mercados globais para tornar o país mais competitivo e 2) políticas capazes de garantir que a primeira não seja obtida em detrimento do meio ambiente e que crie reais benefícios para as comunidades locais. O PDRIS é uma tentativa de começar a refletir sobre a questão de maneira integrada. Um projeto que tanto levanta questões quanto apresenta respostas. E tal processo de aprendizado conjunto é a alma do nosso trabalho em países de renda média, como o Brasil.
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