Cooperação Sul-Sul: turismo de desenvolvimento... ou resultados reais?

Esta página em:

Image
Delegação indiana no Brasil em 2015: a missão ajudou o país asiático a acrescentar fontes energéticas limpas à sua matriz
 

Uma tendência fascinante no mundo do desenvolvimento é o crescimento da Cooperação Sul-Sul (CSS), mais especificamente na modalidade de Intercâmbio de Conhecimentos Sul-Sul (ICSS). A história mostra que os países desejam aprender com as experiências práticas de outros que atravessaram ou estão passando por desafios semelhantes. Inovações e soluções desenvolvidas no Sul podem ser adaptadas em outros países em desenvolvimento de forma muito mais fácil e apropriada do que as projetadas no Norte e para o Norte.

O comércio internacional reflete esse crescente intercâmbio de cooperação entre os países do Sul, com o volume comercial crescendo 11% na última década entre países em desenvolvimento, de acordo com dados da Organização Mundial do Comércio em 2016.

No entanto, muitos não estão convencidos. Ouço em reuniões e conferências muitos críticos criticarem os intercâmbios; "Turismo de Desenvolvimento" é a expressão mais comum. Opiniões céticas como "O que você pode realmente aprender em uma missão de uma semana?" ou "Onde posso provar a melhor caipirinha?" são bastante comuns nas missões com o Brasil. No entanto, mesmo que o ICSS ainda não tenha uma ferramenta de avaliação formal, resultados reais podem ser vistos na prática. Então, qual é a melhor maneira de conduzi-lo? Como obtemos resultados e integramos sistematicamente o intercâmbio sul-sul como parte de um processo de mudança maior em nível institucional, nacional ou regional?

Durante a última década, o Brasil fez progressos sociais muito significativos. No mesmo período, esforçou-se para intensificar sua projeção internacional, aumentando as relações e as atividades da cooperação sul-sul com países africanos e latino-americanos. Apesar desses feitos, ainda há desafios importantes.

Dentro desse contexto, o Brasil é uma fonte única de conhecimento, políticas aplicadas e experiências acadêmicas, científicas e institucionais em diversas áreas de aplicação a outras partes do “Sul Global”. O Brasil e o Banco Mundial (BM) são parceiros há mais de 60 anos. Com seu papel de construtor de parcerias, desde 2009, o Banco apoiou mais de 220 atividades de ICSS com o Brasil em todas as suas áreas de atuação, com mais de 110 países em todo o mundo (veja alguns dados abaixo).

Image

Image

Image


Você pode até dizer "Parecem muitos intercâmbios, mas quantidade não é qualidade"... Por isso, compartilho duas histórias de "qualidade" para demonstrar resultados práticos.

Com enormes necessidades de eletricidade, a Índia participa de uma jornada ambiciosa para expandir sua geração por meio da energia solar. Em 2015, uma delegação indiana do setor visitou o Brasil para um intercâmbio apoiado pelo Banco para aprender com a experiência brasileira na ampliação de energia renovável no sistema elétrico.

A missão teve como objetivo apoiar a Índia na busca de melhores práticas relacionadas ao planejamento, à regulamentação e à execução da integração de energia renovável na rede, abrindo caminho para futuras colaborações entre esses países. Um memorando de entendimento foi assinado pelos ministérios de energia de ambos os países e o conhecimento adquirido no Brasil está ajudando a India a incorporar fontes limpas à sua matriz energética. Recentemente, o Conselho do Banco Mundial aprovou US$ 100 milhões para parques solares de grande escala na Índia, assim como outras iniciativas estão ocorrendo para ajudar o país a alcançar esse objetivo importante.

Uma segunda história vem de Moçambique. Diversos intercâmbios ocorreram entre o Brasil e seu irmão africano desde 2010. Em maio de 2017, o Banco Mundial patrocinou uma parceria sul-sul entre ambos para promover o desenvolvimento rural sustentável. Os dois países são ricos em biodiversidade e lidam com desafios na exploração de recursos naturais, entre outros. Hoje, Moçambique é o maior beneficiário da cooperação sul-sul entre Brasil e África. Recentemente, foi assinado um memorando de entendimento entre os dois países e o Banco Mundial, assegurando que este programa de cooperação trará resultados ainda mais produtivos para ambos os parceiros (clique aqui para ver um vídeo do último intercâmbio).

Não é “apenas um passeio”

É verdade que nem todo intercâmbio gera excelentes resultados, mas pelo menos traz lições. A partir da experiência com o Brasil, cito algumas:

  • Identifique a necessidade específica de desenvolvimento para o intercâmbio, ou seja, o verdadeiro "porquê"... Lembre-se, este não é apenas "um passeio"!
  • Planeje o orçamento de intercâmbios ao desenhar um novo projeto/fundo fiduciário;
  • Invista nas ferramentas de comunicação e garanta o envolvimento de organizações competentes para liderar e apoiar o intercâmbio;
  • Ajude as contrapartes na condução de um pensamento inovador para melhores soluções de desenvolvimento (existem muitas ferramentas disponíveis no South-South Facility do Banco Mundial);
  • Os intercâmbios podem ajudar a acelerar tomada de decisões e reformas, bem como a superar os gargalos e aumentar o impacto de um projeto;
  • Eles também podem melhorar o relacionamento com as contrapartes do projeto... Lembre-se, não é apenas um momento de aprendizagem, mas também uma importante oportunidade de networking;
  • Invista esforço e recursos extras na logística.

Os aprendizados em cada troca revelam a importância de alinhar as necessidades de desenvolvimento às metas do projeto para um intercâmbio efetivo. Isso faz toda a diferença entre um intercâmbio de longo prazo bem-sucedido e “passeios de turismo de desenvolvimento"!

Do lado do cliente, quando feito corretamente, o intercâmbio pode construir a capacidade, a confiança e a convicção de indivíduos e grupos para atuarem. Eles procurarão mudar o ambiente em que operam, afetar políticas e normas que influenciam a forma como as pessoas se comportam, e fortalecer as instituições onde trabalham. Eles se tornam agentes de mudança, e é quando os resultados ocorrem.

Já para quem trabalha no Banco, os intercâmbios podem beneficiar o relacionamento com as contrapartes do projeto. Por si só, isso já é um ganho enorme, especialmente quando se está iniciando um projeto de longo prazo com uma contrapartida do governo. Do lado receptor, pode abrir muitas portas para muitas equipes locais em termos de relações governamentais. Apenas é bom ficar atento para não "abusar" de uma instituição específica, solicitando muitos intercâmbios num pequeno período de tempo. Isso acontece muito quando você encontra um "campeão do conhecimento".


Autores

Igor Carneiro

Consultant (Economist and South-South Knowledge Exchange), Latin American and the Caribbean Region

Juntar-se à conversa

The content of this field is kept private and will not be shown publicly
Remaining characters: 1000