Finda a Copa, e as emoções que ela provoca, voltamos à realidade do dia-a-dia. A cada quatro anos, independentemente dos resultados, o ano é sempre lembrado por este grande evento mundial. Mas neste ano, não é só. No cenário mundial e no Brasil, estamos presenciando os desdobramentos de um importante movimento feminista, que também está fazendo história. No encalço de 2017, um ano marcado por grandes discussões sobre a igualdade de gênero, o feminismo está novamente em voga. Neste contexto, é importante lembrar como é recente a evolução dos direitos da mulher, e avaliar em que pé estamos no placar da igualdade de gênero.
Em 1958, o Brasil ganhou a primeira Copa do Mundo. As mulheres então já haviam conquistado o direito ao voto, mas ainda eram, por lei, consideradas relativamente incapazes. Para trabalhar ou viajar, precisavam da permissão do marido. Não podiam exercer o pátrio poder e não tinham controle nem sobre seu próprio dinheiro.
Em 1962, quando o Brasil conquistou seu segundo título mundial, registrou-se também um grande marco para a igualdade de gênero no Brasil: as mulheres casadas adquiriram a plena capacidade, podendo então trabalhar sem autorização do marido, exercer o pátrio poder e administrar seus bens próprios.
Em 1970, ano do tricampeonato brasileiro, a mulher casada ainda tinha a obrigação, por lei, de adotar o patronímico do marido. Mas foi nessa década que se fortaleceram os movimentos sociais, feministas e de promoção da igualdade de gênero em todo o mundo, inclusive no Brasil. Daí em diante foram 24 anos que o Brasil não conquistou a taça.
Durante esse período, o movimento pela igualdade de gêneros iniciado mundialmente nos anos 50 culminou com a adoção, em 1979, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher. Promulgado no Brasil em 1984, foi o primeiro tratado internacional dispondo amplamente sobre os direitos humanos da mulher e reconhecendo a necessidade de se eliminar quaisquer discriminações entre gêneros.
Apesar disso, foi só em 1988, com a nova Constituição, que se consagrou no Brasil a igualdade plena entre homens e mulheres em direitos e obrigações, derrubando tacitamente dispositivos discriminatórios ainda existentes no antigo Código Civil de 1916. Até então, apenas o homem era considerado chefe de família e único responsável por administrar o lar e o patrimônio conjugal. Mas foi só em 2002, quatro anos depois, quando também o Brasil conquistou seu último Mundial, que promulgou-se o novo Código Civil, finalmente eliminando de maneira formal esses mesmos dispositivos.
Do ponto de vista jurídico, a igualdade entre homens e mulheres no Brasil é quase plena. Mas a realidade na prática é diferente. No Brasil, as mulheres são hoje mais da metade da população. Ainda assim, elas representam apenas 43% da força de trabalho, menos de 15% dos parlamentares e ganham, em média, 25% a menos do que os homens. Esses dados, chocantes, mostram a enorme disparidade, ainda hoje, entre as conquistas dos homens e das mulheres.
Desde 2010, o estudo Mulheres, Empresas e o Direito do Banco Mundial acompanha o avanço da igualdade de gênero nos direitos nacionais e o impacto da lei na inserção econômica, política e social das mulheres. A análise mostra que, no Brasil, faltam instrumentos para coibir a discriminação histórica oriunda dos papéis de gênero, bem como garantir oportunidades iguais para as mulheres em todas as esferas da vida.
Quase 40 anos depois da adoção da Convenção da Mulher, temos ainda um longo caminho a percorrer para se alcançar a plena igualdade de gênero. Para acelerar esse processo, a Organização das Nações Unidas lançou, em 2015, a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, uma nova rodada de objetivos específicos, entre os quais inclui-se “ alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas”
Neste ano de Copa, é importante também tomarmos essa agenda como de suma relevância para o Brasil. Podemos nos mirar no país vencedor deste ano, que historicamente tem estado à frente em igualdade de gênero, e continua ganhando. Enquanto o Brasil caiu 11 posições no ranking de igualdade de gênero do Fórum Econômico Mundial entre 2016 e 2017, a França subiu 6 posições. O ranking, que analisa se os países proporcionam acesso aos seus recursos e oportunidades equitativas entre homens e mulheres, reflete, em seus resultados, a priorização nas políticas públicas da promoção e defesa dos direitos das mulheres. Por isso, hoje, da mesma forma com que contamos, como bons torcedores, que daqui a quatro anos o Brasil será hexacampeão, devemos confiar que poderemos também comemorar no Brasil conquistas de uma efetiva igualdade entre gêneros.
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