Em um momento em que o mundo precisa garantir a utilização de todos os recursos, é necessário capitalizar os que têm maior impacto. Garantir a plena produtividade é fundamental, o que exige a integração das mulheres no mercado de trabalho. Um relatório recente do Banco Mundial indica que o mundo poderia atingir um 'dividendo de gênero' equivalente a US$ 172 trilhões se reduzisse as disparidades de renda entre o trabalho realizado por homens e mulheres ao longo de suas vidas.
Houve progresso ao longo do tempo. O relatório do Banco Mundial Mulheres, Empresas e o Direito 2020 (WBL na sigla em inglês) analisa os avanços legislativos de 190 economias em direção à igualdade de gênero, por meio de um índice composto por oito indicadores (Mobilidade, Trabalho, Remuneração, Casamento, Maternidade, Empreendedorismo, Ativos, Pensão) estruturados em torno do ciclo de vida de uma mulher trabalhadora. Cinquenta anos atrás, mulheres do mundo inteiro tinham menos da metade dos direitos dos homens. Desde então, mais de 1.500 reformas foram implementadas, aumentando seu poder econômico.
Apesar de todas as mudanças, as mulheres ainda gozam de apenas 75% dos direitos dos homens perante a lei. Os países da região da América Latina e Caribe (ALC) aprovaram, ao todo, 272 reformas desde 1970, principalmente nas décadas de 80 e 90. De fato, a ALC e a região do Leste Asiático e Pacífico estavam praticamente no mesmo patamar em 1970, mas um esforço concentrado de reforma nos países latino-americanos fez com que a região tomasse impulso. Hoje, a ALC está atrás apenas das economias com as pontuações mais altas - os países de alta renda da OCDE e da região da Europa e Ásia Central. O ritmo das reformas na região, no entanto, vem diminuindo na última década. Nos últimos dois anos, apenas quatro dos 32 países da região empreenderam reformas.
A pontuação do Brasil no índice WBL é 81,9, ligeiramente acima da média regional (79,2), refletindo melhorias impressionantes. Em 1970, a pontuação do Brasil era 33,8 - ou seja, as mulheres usufruíam de apenas um terço dos direitos legais dos homens nas áreas medidas pelo índice. Desde então, o Brasil promulgou 13 reformas positivas. A primeira grande mudança veio em 1977, com a legalização do divórcio, instituindo o mesmo processo para homens e mulheres. No início dos anos 90, o Brasil retomou as reformas com o aumento do período de licença-maternidade e a introdução da licença-paternidade, ambas remuneradas. Também aboliu as restrições ao trabalho de mulheres à noite, em empregos considerados perigosos, e a proibição do emprego de mulheres no setor de mineração.
Nesse mesmo período, as mulheres passaram a poder trabalhar sem precisar da autorização do marido. No início dos anos 2000, o Brasil proibiu a discriminação de gênero no trabalho e começou a contabilizar explicitamente os períodos de ausência para cuidar dos filhos nos benefícios previdenciários. As mulheres passaram a poder ser chefes de família e adquiriram os mesmos direitos que os homens de se casar novamente; os cônjuges passaram a gozar de direitos iguais de posse de bens imóveis e de autoridade administrativa sobre os bens durante o casamento.
Em termos de proteção, o Brasil criminalizou o assédio sexual e proibiu a discriminação de gênero no emprego. O país aprovou um novo Código Civil em 2002 permitindo às mulheres escolher onde morar e abrir empresas sem o consentimento do marido. Finalmente, em 2006, o Brasil aprovou leis de proteção das mulheres conta a violência doméstica.
Hoje, o Brasil tem a pontuação máxima em metade dos indicadores do WBL. São as áreas de mobilidade, trabalho, casamento e bens, que consideram as leis relacionadas à liberdade de movimento das mulheres, proteções legais contra discriminação e assédio no local de trabalho e em casa, bem como o direito de administrar e herdar bens.
Mas ainda é possível melhorar. A idade obrigatória para a aposentadoria no Brasil não é igual entre homens e mulheres, e tampouco é a idade de aposentadoria com rendimentos integrais ou parciais. Isso surte um impacto negativo não apenas no volume de renda disponível para as mulheres na terceira idade, mas também em sua carreira e ascensão profissionais.
A legislação brasileira não exige remuneração igual por trabalho de igual valor. Além disso, as leis que protegem as mulheres de discriminação no acesso ao crédito ainda podem melhorar. Não há lei que proíba a discriminação baseada em gênero ou estado civil em matéria de acesso ao crédito.
Quanto à maternidade, o Brasil prevê 120 dias de licença-maternidade, acima do padrão mínimo de 98 dias (e prevê que os pais tirem 5 dias de licença-paternidade), mas não prevê a obrigatoriedade da licença-paternidade para os homens poderem compartilhar o trabalho de criação dos filhos.
Toda crise apresenta uma oportunidade. Promover direitos iguais é mais do que apenas fechar lacunas injustas - é garantir que todos possam contribuir para a enorme tarefa econômica que temos pela frente, além de partilhar equitativamente os resultados.
Este texto foi originalmente publicado na Folha de S. Paulo.
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