A virada do ano e uma nova década estão chegando e você já deve ter se convencido que desta vez irá se exercitar e comer de forma saudável para se livrar desses quilos extras. Desta vez não há desculpas, você diz a si mesmo, porque 2020 é o momento perfeito para a mudança.
Se você se identifica com essa resolução de ano novo porque não é a primeira vez que promete mudar seu estilo de vida, não se preocupe, você é perfeitamente humano. Por mais tola que possa parecer, essa história nos mostra que frequentemente não nos comportamos como planejamos ou como devemos nos comportar. Somos seres sociais e hedonistas. Procrastinamos e preferimos a gratificação instantânea. Não respondemos bem quando temos muitas opções, somos ruins ao fazer previsões, somos excessivamente confiantes e otimistas e não cumprimos nossas promessas.
É importante entender isso, pois nossas decisões diárias podem, em última análise, contribuir para a solução ou a piora de desafios globais complexos, como saúde pública, segurança viária, inadimplência fiscal e, finalmente, riqueza e bem-estar. A ciência comportamental estuda a razão pela qual as pessoas fazem as escolhas que fazem e como os comportamentos humanos podem mudar, de forma inovadora, os desafios do desenvolvimento e maximizar o bem-estar das pessoas.
Cada vez mais países vêm usando as ciências comportamentais para moldar políticas públicas desde a criação do Behavioural Insights Team (BIT), em 2010, com o objetivo de melhorar as políticas e serviços do governo no Reino Unido. Dez desses países são apresentados neste relatório preparado pela Unidade Mente, Comportamento e Desenvolvimento do Banco Mundial (eMBeD). Ainda que não sejam citados no estudo, muitos outros países também estão incorporando insights da ciência comportamental nas políticas públicas. O Brasil é um exemplo. Por isso, a equipe do eMBeD recentemente visitou Brasília, Recife e Rio de Janeiro para explorar a extensão da onda das ciências comportamentais no país.
Nos reunimos com diversas organizações que trabalham, em diferentes estágios, com ciências comportamentais e ficamos impressionados com o crescente interesse pela área e satisfeitos de ver o aumento do uso de insights comportamentais na formulação das políticas públicas no Brasil.
Abaixo estão algumas iniciativas de destaque no Brasil:
- Desde 2017, a Escola Nacional de Administração Pública, ENAP, e seu laboratório de inovação, Gnova, capacitam funcionários públicos, organizam eventos e promovem iniciativas relacionadas às ciências comportamentais para políticas públicas. O GNova desenvolveu seu próprio framework (SimplesMente) - que destaca os mais significativos elementos identificados nas ciências comportamentais aplicadas - para refinar o diagnóstico dos desafios das políticas públicas, avaliar os serviços e programas, apresentar soluções inovadoras, propor novas intervenções e ara aprimorar as existentes.
- As duas maiores cidades do Brasil, Rio de Janeiro e São Paulo, foram pioneiras na criação de unidades de ciência comportamental. O NudgeRio usa insights comportamentais para informar políticas públicas por meio de experimentação na cobrança de impostos sobre a propriedade desde 2014 e, mais recentemente, para incentivar os pais a estimular seus filhos a participar de um exame nacional, os pedestres para usar a faixa de pedestres e os alunos para efetuar matrículas pelo sistema de inscrição online.
- Desde 2017, São Paulo tem usado insights comportamentais, por meio do (011).lab, para reduzir o atraso no pagamento de impostos, combater a proliferação do mosquito da dengue, aumentar a cobertura de vacinação contra a febre amarela e reduzir o absenteísmo em um hospital municipal. Embora tanto o NudgeRio quanto o (011).lab ainda tenham poucos funcionários, estão ávidos por se aprofundar no trabalho comportamental.
- Em escala nacional, o Ministério da Cidadania integrou insights comportamentais ao desenho de seu programa Futuro nas Mãos, que oferece educação financeira para mais de 200.000 mulheres beneficiárias do programa Bolsa Família, com o objetivo de ajudá-las a gerenciar melhor suas finanças domésticas.
- Recentemente, o quarto aniversário do Guia de Economia Comportamental e Experimental confirmou a crescente importância do campo no contexto do país. A publicação apresenta capítulos, textos e entrevistas com os principais autores mundiais sobre o assunto, incluindo alguns dos pesquisadores pioneiros no Brasil, como a Flávia Ávila, co-organizadora da publicação.
- O Kayma Lab, com sede em Israel, está se instalando no Brasil para ajudar o governo federal na elaboração de políticas baseadas em evidências. O Kayma foi fundado em parceria com Dan Ariely, professor de psicologia e economia comportamental da Duke University, produtor do documentário (Dis) Honesty: The Truth about Lies, e autor de três best-sellers listados pelo New York Times.
- O Centro de Bem-Estar e Desenvolvimento Infantil da Universidade de Zurique está realizando um estudo randomizado controlado para avaliar o efeito de intervenções relacionadas à mudança de mentalidade nas habilidades intelectuais de adolescentes no Rio de Janeiro.
A equipe do eMBeD também tem papel relevante nesse contexto ao inserir um viés comportamental na resolução de problemas relacionados ao setor de água e saneamento brasileiro. Com financiamento do Fundo de Prosperidade do Reino Unido (UK Prosperity Fund), buscamos entender o comportamento do consumidor no que tange a inadimplência nos pagamentos de contas e as ligações ilegais de água na região metropolitana de Recife. Uma fase de diagnóstico identificou os fatores e barreiras comportamentais que servirão de base para o design, teste e implementação de intervenções comportamentais para reduzir a perda de água na região.
Juntamente com outras organizações de desenvolvimento, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento e agências das Nações Unidas, o eMBeD compartilha a responsabilidade e os desafios de advogar pelo uso de ciências comportamentais adaptadas ao contexto local.
Esperamos que o Brasil continue a usar insights comportamentais e consiga converter desafios em oportunidades, além de proporcionar intervenções bem-sucedidas que ajudarão as pessoas a tomar decisões melhores – desde a escolha de estilos de vida saudáveis à criação dos filhos – e melhorar o bem-estar social. O céu é o limite para o Brasil, e a agenda das ciências comportamentais já segue com promessa de grande crescimento.
Você conhece outras intervenções comportamentais em políticas públicas no Brasil? Compartilhe conosco na seção de comentários abaixo.
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