De modo geral, qualquer afirmação que descreva o estado do Brasil e de sua população pode ser seguida de um "porém...". Considerando-se a enorme diversidade interna do país, essas afirmações precisam das devidas nuances. Quando se trata da situação da igualdade de gênero, então, há diversas camadas de “porém”.
O Brasil já progrediu muito em matéria de igualdade de gênero
O compromisso de promover a igualdade de gênero fica evidente com a criação de instituições especializadas e o fortalecimento do arcabouço jurídico relativo à violência de gênero. Além disso, certas lacunas nos resultados de desenvolvimento vêm sendo preenchidas. Por exemplo, as disparidades de gênero desapareceram na educação; de modo geral, todos os homens e mulheres sabem ler e escrever. Também houve grandes melhorias na saúde materna.
Hoje, quase todos os nascimentos (98%) são assistidos por pessoas qualificadas, em comparação aos 88% de meados da década de 1990.
São ótimas notícias. Porém…
Ainda faltam avanços em diversas áreas da vida das brasileiras. As oportunidades econômicas precisam melhorar muito. Na última década, houve pouca redução das disparidades de gênero no que diz respeito à participação na força de trabalho. Por exemplo, a participação das mulheres no mercado de trabalho aumentou um único (!) ponto percentual desde 2005. Além disso, as mulheres dedicam quatro vezes mais tempo por semana que os homens a tarefas domésticas não-remuneradas.
Outra área que apresenta desafios é a voz e a agência das mulheres. Um exemplo é a extrema sub-representação das mulheres na política brasileira: menos de um em cada 10 parlamentares é do sexo feminino. Ainda mais preocupante é o fato de duas em cada cinco mulheres brasileiras terem sofrido violência emocional, física ou sexual praticada por um homem em algum momento de suas vidas.
Existe mais uma camada de "porém" que não podemos deixar de lado ao enfrentarmos, de modo eficaz, a desigualdade de gênero no país.
Ao falar sobre as oportunidades disponíveis para os jovens no Brasil, uma moça pobre de um assentamento informal em Recife, no Nordeste, disse: “Veja, se as coisas já estão complicadas, imagine para alguém como eu. ”
Esta é a essência do recente diagnóstico de gênero Um Panorama Atual do Gênero no Brasil: Instituições, Resultados e um Olhar mais Atento às Diferenças Raciais e Geográficas . A raça e a localização têm um efeito que pode ser fundamental e preponderante. As diferenças raciais e geográficas podem ocultar tendências promissoras em áreas onde já houve algum progresso em direção à igualdade de gênero. Além disso, em locais onde o progresso estagnou, de modo geral, e os desafios persistem, alguns grupos de mulheres estão em situações muito mais desfavoráveis do que outras.
Na educação, por exemplo, as mulheres brancas têm, em média, 9,1 anos de estudo, ante os 7,7 anos entre as mulheres que se identificam como negras ou pardas. Da mesma forma, a mortalidade materna oscila entre 37 mortes por 100.000 nascidos vivos em Santa Catarina, no Sul, e 102 mortes no Piauí, no Nordeste (Indicadores de Desenvolvimento Mundial, 2013). Além disso, entre os adultos economicamente ativos que concluíram o ensino médio ou superior, as mulheres afrobrasileiras ganham uma média de R$ 15,60 por hora. Isso é menos da metade do salário dos homens brancos com o mesmo nível de escolaridade, que ganham uma média R$ 32,70 (2012).
A taxa de homicídios é outro exemplo da ligação direta entre raça, local de residência e o aumento do nível de risco: o índice de homicídios de mulheres afrobrasileiras na região Centro-Oeste é de 8 por 100.000. Já para as mulheres brancas nesses estados é a metade, enquanto na na região Nordeste chega a 2 por 100.000.
Então, o que podemos fazer a respeito?
A promoção da igualdade de gênero é de suma importância e instrumental para o desenvolvimento e a redução da pobreza e da desigualdade. Os esforços do Brasil na promoção da igualdade de gênero na última década têm recebido elogios da comunidade internacional. Elogios merecidos.
Porém, a igualdade no Brasil só será possível se considerarmos as nuances: o combate às desigualdades raciais e geográficas é fundamental para a formulação de políticas e projetos. Para que tenham eficácia, os esforços precisam ser segmentados e adequados à população-alvo; caso contrário, as mulheres afrobrasileiras e as que vivem no Norte e Nordeste correm o risco de ser deixadas sistematicamente para trás. Nesse caso, elas continuariam com menos acesso aos serviços de educação e saúde, com taxas mais elevadas de óbitos por problemas relacionados à gravidez, com menos (e piores) empregos e com maior exposição à violência (fatal) do que as mulheres brancas das regiões Sul e Sudeste.
Isso está errado. É, também, um grande obstáculo para o desenvolvimento do Brasil, de modo geral, e, portanto, algo que precisa ser encarado com urgência.
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