O Brasil está entre os países mais expostos à pandemia do novo Coronavírus, com mais de 105.000 casos ativos e mais de 7.000 mortes. O sistema de saúde do Brasil, um dos melhores da América Latina, tem sentido a pressão, principalmente em áreas onde a capacidade dos serviços de saúde é mais fraca (como nas Regiões Norte e Nordeste). Como a maioria dos outros países, o Brasil fechou grande parte de sua economia (prática conhecida como lockdown) visando reduzir o contato humano ("distanciamento social") e, com isso, conter a propagação do vírus. Embora as curvas de contágio e morte pareçam ainda não ter atingido o pico, algumas partes do país já estão se encaminhando para uma abertura gradual da economia, o que pode aumentar o risco de mais lockdowns ainda este ano, caso a disseminação do vírus não possa ser controlada.
A pandemia atinge a economia do Brasil de três formas: 1) um choque de demanda externa, causado pelo fechamento das economias de outros países, 2) um choque de demanda interna (principalmente no consumo privado), decorrente do fechamento da economia brasileira; e 3) um choque no preço do petróleo, que prejudica o Brasil em sua condição de exportador líquido de petróleo (os consumidores, no entanto, se beneficiarão da queda dos preços). O impacto combinado desses três choques empurrará a economia para uma recessão.
Tal situação causa efeitos em cadeia por toda a economia brasileira. Por um lado, põe em risco as famílias de baixa renda, muitas das quais trabalham na prestação de serviços diretamente ao consumidor, um setor duramente afetado pelas medidas de contenção. Segundo estimativas do Banco Mundial, sem medidas de mitigação como o Auxílio Emergencial, o número de pessoas vivendo com renda abaixo de meio salário mínimo poderia aumentar entre 5,6 milhões e 9,2 milhões. Felizmente, do ponto de vista das políticas, algumas respostas como o próprio Auxílio Emergencial e o aumento do número de beneficiários do Bolsa Família, se bem implementadas, devem amortecer esse choque.
Outro grupo vulnerável é composto pelas pequenas e médias empresas (PMEs), que costumam atuar no setor de serviços prestados diretamente ao consumidor, com menos possibilidade de trabalhar de casa. Esse grupo também tem poucas reservas financeiras: segundo as nossas estimativas, a maioria das PMEs de São Paulo, por exemplo, não tem mais de 21 dias de reserva de caixa. Vale repetir que as autoridades já alocaram recursos consideráveis que, ao chegarem na ponta, podem atenuar o impacto para as PMEs e reduzir a necessidade de demissões.
Isso, no entanto, trará consequências para toda a economia. As empresas de água e de energia serão fortemente afetadas pela queda do consumo de eletricidade e água e por atrasos no pagamento das contas - principalmente as empresas de distribuição de energia. O transporte urbano teve forte impacto com o número de passageiros caindo entre 50% e 70% nas áreas metropolitanas. Viagens nacionais e internacionais foram canceladas. Será necessário o apoio do Estado para garantir que as empresas afetadas em setores críticos sobrevivam ao lockdown, mas esse esforço precisa ser cuidadosamente avaliado para evitar riscos de que, no futuro, essas empresas não possam reembolsar o apoio recebido, pressionando ainda mais as finanças públicas.
Assim como outros países, o Brasil adotou várias medidas anticíclicas, do ponto de vista fiscal e financeiro, em apoio aos grupos mais vulneráveis. Muito depende da eficácia dessas medidas e da garantia de que elas cheguem até os beneficiários pretendidos. Essas medidas, se bem implementadas, devem atenuar a recessão e preservar a integridade financeira das empresas e das famílias para não prejudicar o ritmo da recuperação, o que dificultaria a oferta de crédito bancário.
Tudo isso exerce uma pressão enorme nas finanças públicas, em todos os níveis. Os governos subnacionais sofrem um efeito ainda maior, devido à dependência dos impostos sobre o consumo, à necessidade de aumentar os gastos com saúde e ao acesso limitado ao mercado de capitais. Os estados mais pobres ficarão ainda mais vulneráveis, pois dependem mais do consumo e tendem a ser menos diversificados, embora a maior participação das transferências (estáveis) em relação às receitas (cíclicas) atenue esse impacto. Apesar do apoio federal às esferas subnacionais, ainda há muitas necessidades a serem supridas e será preciso um esforço conjunto para ajudá-las sem prejudicar sua sustentabilidade fiscal, que já estava bastante comprometida mesmo antes da COVID-19. Qualquer apoio temporário teria que ser complementado com aumento da flexibilidade orçamentária e contenção dos gastos obrigatórios para alocar recursos limitados para as prioridades mais urgentes.
O governo deixou claro que as medidas de apoio são temporárias o que é adequado frente ao choque transitório causado pelo lockdown. Vale lembrar, no entanto, que essas medidas fiscais exercerão ainda mais pressão sobre níveis de dívida já elevados. Daí a importância de restabelecer o teto fiscal em 2021 para estabilizar a dívida pública, que, de acordo com as nossas projeções, se estabilizaria em 2027 (um atraso de quatro anos em comparação à situação pré-Covid-19) com uma dívida em relação ao PIB cerca de 20% acima do patamar previsto no início do ano. Daqui para frente, o espaço fiscal continuará severamente restrito e o cumprimento da regra do teto dará à agenda de reformas do governo um papel central.
Há muitas incertezas e poucas informações confiáveis no momento. As modelagens do Banco Mundial, baseadas em dados de alta frequência (como gastos com cartão de crédito e rastreamento da mobilidade), sugerem que o PIB do Brasil pode sofrer uma redução de cerca de 1,1 ponto percentual por mês em lockdown. A comunicação de uma estratégia clara, que delineie como o Brasil pretende superar a crise de saúde, as medidas de fechamento da economia e o caminho para o início da recuperação, ajudaria a sustentar os apoios já adotados aos mais vulneráveis, e evitaria o aumento dos custos.
Este artigo foi originalmente publicado na Folha de São Paulo.
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