Imagine a cena: você, mulher, sofre algum tipo de violência – física, psicológica, sexual, por exemplo – e vai ao Departamento Médico-Legal para fazer o exame de corpo de delito. Lá, machucada no corpo e na alma, você precisa dividir a sala de espera com a mesma pessoa que a agrediu. Enquanto isso, do lado de fora, a todo momento passam presos acompanhados pelas polícias Civil ou Militar.
De posse do número de ocorrência e dos pedidos de exames periciais, você chega ao guichê de atendimento. Depois, espera em um saguão o momento de ter acesso à clínica. Faz os exames, mas em nenhum momento perguntam a origem da violência – se foi fruto de uma agressão originada pela violência doméstica. No fim, o caso torna-se apenas mais um nas estatísticas criminais.
Imaginou? Em pleno aniversário de sete anos da Lei Maria da Penha, uso essa descrição para mostrar o que milhares de brasileiras já viveram. E, também, para falar como o tratamento às vítimas está melhorando no Rio Grande do Sul.
Há quase um ano, em 25 de setembro, o Instituto-Geral de Perícias (IGP) inaugurou no Departamento Médico-Legal a Sala Lilás. Trata-se de um espaço acolhedor, diferenciado, para as mulheres vítimas de violência doméstica e familiar.
Na Sala Lilás, as mulheres têm total privacidade enquanto aguardam o atendimento para as perícias física e psíquica, são recebidas pelo serviço psicossocial e fazem o retrato falado digital.
Em busca de provas
A perícia física compreende o exame de lesões e a coleta de material biológico para exames periciais. A psíquica, feita com técnicas internacionais de entrevistas a vítimas, é fundamental para a elaboração da prova pericial nos crimes sexuais em que não haja prova material.
Já o serviço psicossocial foi criado para ajudar as vítimas de violência doméstica e familiar e de abuso sexual. Assistentes sociais reúnem informações sobre as condições sociais dos usuários e, a partir delas, fazem um melhor encaminhamento à rede social de proteção. O retrato falado digital, por sua vez, é feito no Photoshop. A vítima é atendida por profissionais qualificados.
Além disso, usa-se um kit padronizado de coleta de material para vítimas de agressão sexual e são oferecidas vestes íntimas descartáveis. Com isso, a mulher não precisa se constranger enquanto a lingerie original – muitas vezes contendo vestígios de sêmen do agressor – é recolhida e encaminhada para análise com as demais amostras coletadas.
O kit de coleta de material para vítimas de agressão sexual já está sendo utilizado nos 36 Postos Médico-Legais do RS. Agora, queremos também instalar a Sala Lilás em todos os postos do interior do estado.
Dados qualificados
Paralelamente a esse atendimento 24 horas, o IGP trabalha na qualificação dos dados e na análise estatística da violência doméstica e familiar. Usamos um software desenvolvido especialmente para gerenciamento, controle e emissão dos trabalhos periciais, com recorte de gênero e controle do número de casos de agressões. Só com dados qualificados é possível planejar uma resposta eficiente a essa violência.
A divulgação desse trabalho sempre traz surpresas. Por exemplo, depois de ver uma reportagem com o relato de uma vítima atendida na Sala Lilás, uma senhora nos ligou para obter mais informações e desabafar. Como ela era de classe média alta e não sofria agressões físicas constantes, não se julgava uma vítima de violência doméstica.
O desejo de todos os envolvidos no trabalho da Sala Lilás é de que ela e outras vítimas procurem a polícia e a justiça. Estamos de portas abertas para recebê-las.
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