Os trabalhadores brasileiros estão preparados para o sucesso no mundo digital?

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Jovens brasileiros acessam a internet usando smartphones. Foto: TV Brasil. 

Em nossas tratativas com ministros da Educação e suas respectivas equipes do mundo inteiro, uma das questões mais recorrentes é a forma como as tecnologias digitais influenciam o mundo do trabalho. Muitos agentes políticos se preocupam que as escolas não estejam capacitando adequadamente os alunos nas habilidades necessárias para o futuro no mercado de trabalho, limitando, portanto, sua empregabilidade e produtividade. Tipicamente, as políticas de educação e capacitação levam tempo para gerar egressos capacitados, daí a sensação de urgência nesse assunto.
 
O Brasil é um cenário propício para explorar algumas dessas preocupações. A adoção da internet no país foi gradual, com uma abrangência impressionante. Apenas 15% dos mais de 5.000 municípios brasileiros dispunham de provedores locais de acesso à internet em 1999; em 2006, mais da metade de todos os municípios possuía pelo menos um provedor local de acesso à internet. As normas trabalhistas de jure, definidas na Constituição de 1988, estão entre as mais rigorosas da América Latina, elevando expressivamente o custo do trabalho.
 
Em um documento recente, exploramos a implantação da internet no país, na sequência da liberalização do setor de telecomunicações, para avaliar como a adoção da tecnologia digital afetou o emprego de habilidades e atividades distintas em diversas ocupações formais. Também questionamos se as regras que vigoram na prática no mercado de trabalho realmente ajudam os trabalhadores - principalmente os mais vulneráveis ​​a choques de emprego - e lhes possibilitam permanecer no emprego e atualizar suas competências sempre que novas tecnologias são adotadas. Medimos o rigor das normas trabalhistas na prática por meio de sua aplicação em nível subnacional, medida pelo número de fiscalizações do trabalho por empresa em cada município.
 
Os resultados principais mostram que, com maior exposição à internet, os setores que fazem uso intensivo de tecnologia tendem a reduzir sua dependência relativa de habilidades manuais e atividades rotineiras; os funcionários migram para habilidades cognitivas (por exemplo, raciocínio matemático) e atividades não-rotineiras (por exemplo, interagir com computadores). Com a adoção de tecnologias digitais, as empresas tendem a dar ênfase a habilidades mais interativas e relacionadas à comunicação, como a expressão oral e a clareza da fala. Apesar dos avanços das tecnologias digitais, elas ainda não conseguem replicar perfeitamente as interações humanas, sugerindo que as habilidades cognitivas, interativas e de comunicação são competências individuais e críticas em um mundo cada vez mais tecnológico.
 
Será que essas mudanças no perfil das ocupações ocorrem independentemente da rigidez das leis trabalhistas que os empregadores enfrentam no Brasil? Ou será que ocorrem, principalmente, em áreas com controles mais / menos rígidos? Nosso trabalho também leva isso em consideração.
 
Fica claro que as mudanças observadas na composição do emprego - que passa a favorecer habilidades cognitivas e atividades não-rotineiras - ocorrem nos municípios brasileiros onde os empregadores se deparam com uma aplicação mais rígida das normas trabalhistas.
 
Essa informação condiz com a ideia de que, no Brasil, os empregadores enfrentam custos de ajuste mais elevados em relação aos trabalhadores qualificados e que normas trabalhistas mais rígidas acabam coibindo esses ajustes, principalmente para os trabalhadores altamente qualificados. Além disso, a mudança para habilidades cognitivas de comunicação é mais proeminente também nos municípios com normas trabalhistas mais rigorosas.
 
Isso sugere que os custos de ajuste às novas habilidades interativas são bastante elevados para os empregadores, talvez porque essas habilidades ainda sejam escassas no país. Portanto, a despeito das boas intenções que motivaram essas políticas, as normas trabalhistas que vigoram na prática no mercado de trabalho brasileiro atualmente beneficiam diferencialmente o emprego de tarefas não-rotineiras e habilidades cognitivas, que costumam ser típicas de trabalhadores em melhor situação financeira.
 
Nosso trabalho agrega novos conhecimentos para a formulação de políticas efetivas em matéria de educação, capacitação e trabalho, visando sustentar o futuro da força de trabalho no Brasil. Em uma economia com níveis cada vez mais elevados de adoção tecnológica e com o aumento da automação, leis trabalhistas restritivas podem acabar prejudicando os pobres (pouco qualificados) mais do que os ricos (muito qualificados). Com a entrada em vigor da nova lei trabalhista - que flexibiliza o procedimento de contratação e reduz os custos e incertezas das ações trabalhistas - há bastante espaço para mitigar esses impactos regressivos.
 
No Brasil, para que os alunos recém-formados possam usufruir dos benefícios da revolução digital, os agentes políticos devem priorizar investimentos nas capacidades cognitivas de ordem superior, especialmente habilidades interativas e de comunicação. Sem essas habilidades intrínsecas ao século XXI, os trabalhadores brasileiros terão muito mais dificuldades em encontrar emprego no futuro; com isso, é provável que o país não tenha as condições necessárias para tirar pleno proveito do aumento da produtividade e do bem-estar associado à adoção das tecnologias digitais.

Autores

Rita Almeida

Manager, Education Global Practice, Europe & Central Asia

Jennifer Poole

Assistant Professor of Economics at American University’s School of International Service

Carlos Corseuil

Researcher at the Brazilian Institute for Applied Economics (IPEA)

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