Por que a transformação estrutural na China representa uma oportunidade de crescimento para o Brasil

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Espera-se que a economia chinesa passe por uma transformação estrutural significativa nas próximas duas décadas, conforme sua economia continuará a desacelerar, reequilibrar-se e crescer na cadeia de valores.
Há expectativa de que a desaceleração da economia chinesa, que tem ocorrido há alguns anos, seja reforçada nas próximas duas décadas pelo envelhecimento da população e pela mudança da atividade econômica para serviços. As simulações do Banco Mundial sugerem que, dependendo da efetividade das medidas da política de melhoria de desempenho, a atividade econômica da China poderia desacelerar da média das três últimas décadas de 10% para 3,5%–6,9% até 2030. Nessa trajetória, espera-se que a China siga um modelo de desenvolvimento mais balanceado, favorecendo o consumo no âmbito das despesas e impulsionando os serviços no âmbito da produção. Também se espera que a China avance na cadeia de valores, resultando em um crescimento na sofisticação das exportações graças aos investimentos, no passado, em capital físico e humano e em capacidade tecnológica.
 
A mudança no cenário econômico da China está sendo observada de perto pelo Brasil, em vista dos laços econômicos estreitos desenvolvidos na última década entre essas duas nações. O mais aparente desses laços é um aumento dramático no volume de comércio direto e de investimento. Ainda assim, outras ligações cresceram indiretamente, como, por exemplo, por meio do impacto d a China nos preços de commodities, nas taxas de juros mundiais e no crescimento global. A relação econômica entre Brasil e China cresceu de maneira multifacetada, caracterizada por parcerias e competitividade. Dadas a escala de suas economias e a diferente natureza de seus fundos de recursos e de seus modelos de crescimento, os dois países desenvolveram uma parceria mutuamente benéfica construída com base na complementaridade. Mas as duas economias também exibiram significativa similaridade, que levou a competitividade tanto domesticamente quanto em mercados de outros países. No futuro, a questão principal é como as mudanças na China afetarão o grau em que as duas economias são tanto complementares quanto similares.
 
Entretanto, o comentário econômico no Brasil sobre a natureza do impacto econômico de uma China em mudanças tem sido cercado por um considerável grau de negatividade. Geralmente considera-se que os impulsos externos de uma China em mudanças produzem um impacto relevante no Brasil, o que tem causado preocupação, particularmente durante um período em que o próprio Brasil está registrando um crescimento mais lento. A natureza dessa preocupação se desdobra de duas maneiras. Primeiro, à medida que Brasil e China estabeleceram uma relação complementar baseada em recursos naturais, a preocupação é de que uma China desacelerada e restabelecendo seu equilíbrio poderia prejudicar o comércio e o investimento em commodities. Segundo, considerando que os dois países são competidores, particularmente na produção e venda de bens industriais, a preocupação é de que um aumento na sofisticação das exportações chinesas poderia desencadear uma nova onda de pressão competitiva que afetaria a capacidade brasileira de suportar a competitividade no mercado doméstico e no mercado externo.
 
A transformação estrutural na China, no entanto, não é necessariamente uma ameaça ao Brasil; o País poderia ganhar consideravelmente com isso, particularmente em longo prazo. Com simulações de longo prazo para a economia chinesa, um novo relatório do Banco Mundial analisa as implicações em longo prazo para a economia brasileira das mudanças da China entre agora e 2030. Uma das principais descobertas é que mesmo que a China cresça lentamente, o fato de que isso ocorre numa corrente contrária de alto patamar deve continuar a oferecer amplas oportunidades para outros países se aproveitarem da crescente demanda de importações da China. Esse crescimento, junto com uma elevada propensão de consumidores chineses de importar à medida que enriquecem, deve oferecer novas oportunidades para o Brasil fazer comércio e investir. Ainda assim, a força da demanda de importações relacionada a bens de investimento deve diminuir um pouco em termos relativos, embora a pressão competitiva que está sofrendo mudanças não somente criará novos desafios, como também novas oportunidades.
 
Espera-se que o Brasil seja uma das origens de importação da China de mais rápido crescimento, com possibilidade de que novas oportunidades econômicas surjam para todos os setores da economia brasileira. A expectativa é de que as exportações brasileiras para a China cresçam a 8%–12% por ano até 2030 (em comparação com uma média de 6%–9% para o resto do mundo), numa projeção em que essa faixa reflete os cenários de baixo crescimento versus cenários de alto crescimento para a China. Esse crescimento traria amplos benefícios para a economia brasileira:
 
  • Abundantes recursos naturais fazem do Brasil um parceiro ideal para a crescente demanda da China. A demanda de importação chinesa por produtos agrícolas e alimentares brasileiros tende a crescer 11%–13% por ano até 2030. Os commodities industriais, como minério de ferro, podem se beneficiar menos em comparação, crescendo 4%–10%, mas permaneceriam com suporte dos setores de moradias e bens duráveis, mesmo se a intensidade de consumo de recursos da produção chinesa tender a se moderar.
  • O setor industrial tende a se beneficiar também, mesmo se o tamanho desse benefício depender de quão bem ele se aproveitará do mercado chinês e conseguirá se equiparar com novas formas de competitividade. Conforme as exportações chinesas crescem na cadeia de valores, novas formas de competitividade no nível mais elevado aumentarão a pressão entre os países de renda mais elevada para avançar a pauta de inovações e criar novos nichos de excelência. Ao mesmo tempo, o desenvolvimento do mercado interno chinês deve propiciar novas oportunidades. As simulações do relatório sugerem que o impacto geral é amplamente benéfico, com as exportações de bens industrializados brasileiros crescendo a 11%–12% por ano. 
  • Novas oportunidades podem surgir para a exportação de serviços para a China. Conforme a produtividade de serviços na China permanece insuficiente para atender à crescente demanda doméstica, diversas oportunidades podem surgir para que outros países exportem serviços. Provendo a essa demanda, as exportações de serviços podem aumentar a 7%–10% por ano.
Como as mudanças na China poderiam contribuir para o crescimento econômico no Brasil?
 
Com a desaceleração do crescimento, a questão de como o Brasil poderia se posicionar para um ambiente externo de mudanças se tornou mais pertinente do que nunca. O relatório argumenta que há muito espaço para o Brasil aprofundar e expandir suas conexões com a China. A economia brasileira permanece relativamente orientada para o mercado interno, indicando que há potencial para a integração continuada na economia global junto com esforços contínuos para desenvolver e integrar ainda mais o mercado doméstico. O Brasil também não tem um “problema de concentração” com relação à sua orientação externa para o mundo, tanto em termos de mercados ou de produtos, e permanece bem diversificado. Além do mais, embora as exportações brasileiras para a China estejam concentradas em commodities relacionadas a recursos naturais, não há nada de intrinsecamente errado com essas commodities, visto que esforços são envidados para assegurar que esse setor contribua amplamente para a economia e seu desenvolvimento não ocorra às custas de outros setores.
 
Para aproveitar as novas oportunidades que surgem na China, esforços contínuos serão necessários para abordar as restrições internas de produtividade do Brasil. Isso incluiria acelerar o investimento em capital humano e físico e fortalecer o ambiente de negócios, para que vantagens comparativas possam ser fortalecidas e preservadas em bens e serviços que uma China em mudanças demandará. O Brasil enfrenta desafios de produtividade em todos os setores de sua economia. Para os recursos naturais, um desafio chave seria responder à forte e contínua demanda da China enquanto, ao mesmo tempo, melhora-se o impacto econômico do setor. No setor industrial, o foco principal deve ser de fortalecer a competitividade para que novas formas de competição da China possam ser enfrentadas e nichos possam ser encontrados para se aproveitar das mudanças na demanda da China, conforme o país se reequilibra. Para os serviços, a prioridade deve ser a melhora da eficiência e expansão do alcance internacional do setor, para que o Brasil se posicione bem para atender à demanda crescente da China por serviços.
 
Melhorias no ambiente externo para comércio e investimento também ajudariam a otimizar o impacto econômico das crescentes conexões do Brasil com a China. Visto que ambos os países impõem maiores barreiras para a entrada de produtos em que o outro tem uma vantagem comparativa, existe espaço para uma redução nas barreiras tarifárias e não tarifárias. Junto com essa escalação tarifária, isso afeta a capacidade brasileira de diversificar para exportações para a China com maior valor agregado. Enquanto o Brasil tem um regime de políticas altamente liberais para investimento estrangeiro direto (IED), o processo de fato de montar uma subsidiária estrangeira ainda é penoso. O Brasil também tem potencial para ampliar e aprofundar seus IEDs na China, especialmente em serviços. O crescente ímpeto para IEDs da China também beneficiará o Brasil, onde espera-se que a composição de tais fluxos se torne mais diversificada.
 
Por fim, o real significado das ligações brasileiras com a China é o grau em que elas contribuirão para transformar o lado da oferta da economia brasileira. Como o Brasil se adapta para as novas oportunidades e os desafios que surgem de uma China em mudanças tem implicações que irão além dos estreitos limites da relação Brasil-China. As mudanças na China oferecem uma janela de oportunidades para o Brasil prosseguir adiante com sua pauta de reforma estrutural e progredir nessa pauta permitirá ao Brasil aproveitar mais facilmente as oportunidades na China ou enfrentar os desafios que surgem das mudanças na pressão competitiva da China. Além disso, entretanto, esse progresso também ajudaria a fazer a competitividade global do Brasil avançar e – talvez mais importante –também ajudaria a infundir dinamismo na dinâmica de crescimento doméstico do vasto mercado interno do Brasil (ver também Canuto e Schellekens, 2014).

Autores

Philip Schellekens

Senior Economic Advisor, World Bank Group

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