É preciso mudar a forma como se financia a agricultura no Brasil

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Por meio de um cofinanciamento, a Coopervoltapinho pôde construir um silo de arroz. Fotos: Romeu Scirea.

Imagine que você está dirigindo por uma estrada e passando por várias pequenas fazendas, todas com belas plantações. Você faz ideia de como os agricultores conseguiram os recursos para cultivar, melhorar a produtividade e ter acesso a mercados?
 
A história da Coopervoltapinho, uma cooperativa agrícola localizada em Santa Catarina, no sul do Brasil, mostra o papel importante do financiamento no apoio à agricultura familiar. A instituição soma 180 membros, apoiados por três funcionários em tempo integral, que usam equipamentos de propriedade da Coopervoltapinho e trabalham nas instalações da cooperativa. Hoje, ela atende a um atraente mercado de nicho de arroz, recebe mais pedidos do que pode entregar e tem ainda muito espaço para crescer. 
 
Essas características normalmente tornariam o empreendimento atrativo para investidores.  Porém, a Coopervoltapinho tem um problema: ela não é uma empresa, mas uma cooperativa. No Brasil, como em outros países, mesmo as cooperativas com fins lucrativos são percebidas como investimentos de alto risco, principalmente pela percepção de fraquezas nas estruturas de governança, nos processos de decisão e na capacidade de gestão.
 
As instituições financeiras relutantes a emprestar a elas geralmente mencionam exemplos em que o presidente enganou os colegas e sumiu com o dinheiro como uma evidência de que as cooperativas não são confiáveis. Mas, pelo menos no Brasil, onde muitas das cooperativas agrícolas competem com poderosos conglomerados de alimentos, essa avaliação não é certa. Por isso, o Banco Mundial formou parcerias com vários estados (Santa Catarina, São Paulo, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Ceara, Acre e Rio de Janeiro) para fazer frente ao que os economistas definiriam como uma falha de mercado, oferecendo cofinanciamento com recursos não reembolsáveis para os planos de negócio apresentados pelas cooperativas e associações de agricultores familiares.
 
Santa Catarina é um dos estados que receberam financiamento do Banco Mundial. O Programa SC Rural teve impacto substancial na melhoria da competitividade e no aumento da renda das organizações de agricultores familiares, incluindo cooperativas e associações de produtores. Segundo estudo recente, as organizações de agricultores familiares que receberam o apoio de cofinanciamento a seus planos de negócio mais que dobraram as receitas, em comparação com aquelas que não participaram do programa. Além disso, os recursos não reembolsáveis alavancaram mais de 50% de financiamento de empréstimos comerciais e/ou recursos próprios dos agricultores.
 
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A Coopervoltapinho foi uma das beneficiadas pelo programa Santa Catarina Rural

Oferecer cofinanciamento para atender às necessidades de investimentos das cooperativas e associações de agricultores é um exemplo de abordagem inovadora para solucionar as falhas do mercado de financiamento agrícola.
 
Um dos fatores que permitiram ao Brasil passar de importador de alimentos nos anos 1970 para exportador e potência mundial do agronegócio foi a política pública de apoio à expansão do crédito rural. Os bancos no Brasil estão obrigados a emprestar ao setor agrícola pelo menos 35% dos recursos das contas poupança, e o credito agrícola é a principal ferramenta utilizada pelo governo para influenciar as decisões de produção e de mercado dos agricultores.
 
Os valores gerenciados pelos programas para o setor agrícola são altos, e os impactos, enormes.  O Programa ABC, maior programa de agricultura de baixo carbono ( climate smart agriculture em inglês) do mundo, é financiado por uma linha de crédito especial. Com relação às políticas públicas para o setor, o evento mais importante do ano é o anúncio dos recursos que o governo tornará disponíveis para o crédito rural (Plano Safra).
 
Embora o apoio dado ao setor agrícola venha tendo impactos significativos, é necessário mudá-lo porque o Brasil continua dependendo de um sistema de finanças agrícolas que não é mais sustentável, apesar do sucesso no passado.
 
Ate recentemente, muitos agricultores brasileiros pagavam taxas de juros reais negativas, graças aos muitos subsídios aplicados às taxas de juros do crédito rural. Isso significava que os agricultores não precisavam produzir para fazer dinheiro. Bastava pegar o crédito subvencionado, depositá-lo numa conta poupança e depois pagar o empréstimo, ficando com o lucro. Enquanto isso, associações e cooperativas de agricultores que vinham tendo dificuldades para competir com conglomerados do agronegócio careciam de fontes de financiamento acessíveis. 

Tendo em vista a crise fiscal atual no Brasil – e a necessidade clara do setor agrícola de continuar crescendo e competindo no mercado global de alimentos – as políticas de finanças agrícolas sofrem pressão para se adaptar às mudanças nas condições do setor e do mercado.
 
Num artigo recente, Pedro Abel Vieira, Antônio Luiz Moraes, Elisio Contini e eu argumentamos que, como o financiamento do crédito agrícola não está crescendo no Brasil, existe uma necessidade de achar ferramentas novas e de melhor custo-benefício para substituir os mecanismos de cofinanciamento, que foram os mais usados até agora. Alternativas para o crédito dirigido e subvencionado incluem (entre outros) apoio na gestão de riscos por meio de mais e melhores seguros agrícolas (hoje a cobertura dos seguros agrícolas no Brasil é de 18% da área agrícola, comparado com mais de 50% na Argentina) e estabelecendo garantias parciais de crédito para alavancar financiamentos dos bancos comerciais para o setor.
 
No futuro próximo, cooperativas como a Coopervoltapinho vão permanecer parcialmente dependentes de programas públicos para o acesso a recursos financeiros. Porém, se reformas políticas puderem ser introduzidas para ofertar melhores ferramentas para a gestão de riscos agrícolas, rumo a um sistema de agrofinanças baseado no mercado, em alguns anos, essa e outras cooperativas poderão obter os recursos financeiros de que precisam mais facilmente por meio de uma instituição financeira local.

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