Ser indígena no Brasil: um cotidiano de pequenos e grandes preconceitos

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Os pais do apinajé Oscar Fernandes (foto), do norte de Tocantins, queriam registrá-lo como Wanhmẽ. Não conseguiram.

“Chegaram ao cartório e os escrivães simplesmente não deixaram registrar um nome que não fosse português. Eles me deram um nome qualquer e, no fim, puseram o do meu povo só para constar”, conta o jovem, que hoje trabalha em uma associação indígena.

A família do krahô Marcelo Hajopir, também de Tocantins, teve um pouco mais de sorte: não escapou de dar uma alcunha portuguesa ao bebê (hoje com 29 anos), mas conseguiu incluir o nome indígena na certidão de nascimento. “Em compensação, já conheci um ‘José Anta’ e um ‘Antônio Veado’”, lembra. Hã?

“É bem comum o pessoal dos cartórios perguntar: ‘O que significa tal nome na sua tribo?’ E como damos muitos nomes de animais às crianças, às vezes acontece de eles serem traduzidos ao pé da letra, o que cria uma situação constrangedora para quem vive nas cidades”, continua.

Vale lembrar que, pela lei brasileira, os cartórios devem se recusar a registrar prenomes que exponham a pessoa ao ridículo. Por outro lado, nada ainda os obriga a aceitar as alcunhas típicas dos povos indígenas (um projeto de lei aprovado pelo Senado em junho pode mudar isso).

Essa história ilustra alguns dos paradoxos vividos pelo Brasil, a sétima maior economia do mundo, no espinhoso tema da integração indígena. A discriminação e a exclusão carregam um alto custo social, político e econômico, segundo Ede Ijasz-Vasquez, especialista em inclusão social do Banco Mundial. Ele adverte que os países que não incluírem os indígenas e afrodescendentes não podem avançar no desenvolvimento.

Cerveja não, racismo sim

Há pouco mais de um mês, Oscar e Marcelo – ou melhor, Wanhmẽ e Hajopir – voltavam de uma consulta feita em Imperatriz (MA) com povos do cerrado. No meio do caminho, em Tocantinópolis (TO), pararam para jantar um tambaqui assado e pediram uma cerveja.

A garçonete do restaurante se recusou, alegando que o dono não deixava vender bebidas alcoólicas para indígenas. “Posso ser até presa se a polícia chegar aqui e me vir servindo cerveja para vocês”, disse.

Se a polícia chegasse, jamais poderia prender os dois com base nessa alegação. Embora o alcoolismo seja considerado um dos principais problemas dos índios brasileiros atuais, nada os impede de comprar ou consumir a bebida que quiserem. Proibido, mesmo, é o não indígena chegar com álcool a qualquer aldeia.

Os colegas poderiam (se quisessem) processar o primeiro bar por racismo. Mas preferiram simplesmente sair dali para comer em outro lugar, onde não lhes fizeram nenhum impedimento.  Terminaram a noite se deleitando com espetinhos de carne acompanhados de farofa e uma cerveja gelada.

Incluir os excluídos

Tudo isso dá uma amostra dos pequenos e grandes preconceitos sentidos por quem vive em uma sociedade dentro da outra, como é o caso dos apinajés e krahôs e outros indígenas no Brasil. “Tais histórias, embora chocantes, são muito comuns. A do registro dos nomes, em particular, já vi acontecer com frequência entre grupos marginalizados, sob o pretexto da integração nacional”, comentou o camaronês Cyprian Fisiy, diretor do Departamento de Desenvolvimento Social do Banco Mundial.
 
Essa é uma lição importantíssima em um momento em que indígenas e indigenistas brasileiros denunciam uma série de ameaças a esses povos, 25 anos depois da Constituição que mais avançou no reconhecimento de direitos.

E, mais ainda, em um momento em que o país começa a se preparar para as eleições de 2014. O que os próximos governantes podem fazer por Wanhmẽ, Hajopir e outros milhões de pessoas em grupos excluídos? Afinal, eles também podem e querem contribuir para o crescimento do Brasil.

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