Nota: Investir de modo eficiente em tratamento de esgoto e outras infraestruturas de saneamento é crucial para obter benefícios à saúde pública, melhorar o meio ambiente e a qualidade de vida. Serviços de água, saneamento e higiene gerenciados com segurança são uma parte essencial da prevenção de doenças e da proteção da saúde humana durante surtos de doenças infecciosas, incluindo a atual pandemia de COVID-19 .
Em uma economia circular - que busca reduzir a geração de lixo e a poluição, manter produtos e materiais em circulação e regenerar sistemas naturais -, os esgotos domésticos tratados devem ser considerados um recurso valioso, do qual se pode recuperar energia, nutrientes e outros recursos. Além disso, são uma fonte adicional de água.
Apenas 30% a 40% das águas residuais coletadas na América Latina são tratadas, uma porcentagem muito baixa considerando os níveis de renda e urbanização da região , o que resulta em impactos negativos tanto na saúde humana quanto no meio ambiente.
Se focarmos no Brasil, mais especificamente na região metropolitana de São Paulo, o crescimento urbano descontrolado, os assentamentos irregulares e a descarga de águas residuais sem tratamento continuam a degradar a qualidade dos reservatórios e a ameaçar a segurança do abastecimento de água. Embora 95,6% dos domicílios no estado de São Paulo estejam conectados à rede de abastecimento de água, 79% estão conectados à rede de esgoto, e desses apenas 62% têm o esgoto tratado.
A Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), por exemplo, coleta e trata cerca de 70% dos esgotos produzidos na Bacia do Guarapiranga. Trata-se de região com expressiva ocupação irregular e população de baixa renda, mas cuja represa fornece água para um quarto da população de São Paulo. Nessa bacia, a Sabesp também gerencia um programa proativo de redução de transbordamentos, rupturas e vazamentos do sistema de esgoto, juntamente com os programas de limpeza dos rios.
No entanto, ainda há muito a se fazer para garantir o acesso universal aos serviços de água e esgoto e para melhorar a qualidade das águas da Região Metropolitana. Muitos assentamentos informais permanecem sem serviços de coleta e afastamento de esgotos e continuam a contaminar os reservatórios. As limitações financeiras que a Sabesp e os municípios da região enfrentam reduziram muito os investimentos na expansão e reabilitação dos sistemas de esgoto. Em resposta, a Sabesp preparou um plano ambicioso para abordar esses problemas críticos.
O problema das águas residuais na região metropolitana de São Paulo
Em dezembro de 2019, o Banco Mundial e a Sabesp assinaram entendimento para que a companhia desenvolva, com o apoio do Banco, o “Programa Saneamento Sustentável e Inclusivo” para a melhoria do acesso e a segurança dos serviços de água na Região Metropolitana de São Paulo. O projeto visa a expandir os serviços de fornecimento de água e gestão dos esgotos para pessoas vulneráveis:
- Reduzindo a descarga direta de esgoto em corpos d’água que chegam à represa de Guarapiranga; e
- Aumentando a confiabilidade do sistema de esgoto, por meio da reabilitação e modernização das redes de esgoto, coletores, estações de bombeamento e conexões que transportam as águas residuais para a Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) de Barueri.
Com recursos do projeto, no município de Itapecerica da Serra, um sistema de coleta de esgoto se conectará a um coletor tronco, a partir do qual os esgotos gerados na Bacia Hidrográfica de Guarapiranga serão bombeados para uma estação de tratamento localizada em outra bacia, beneficiando diretamente 3.500 famílias.
No município de Embu, o sistema de esgoto beneficiará diretamente 3.400 famílias, além da população moradora das áreas que eram afetadas por esses esgotos, e inclui a implantação de rede e 4,7km para coleta de esgotos, que também serão transferidos para uma estação de tratamento fora da bacia, a ETE Barueri.
Dada a densa ocupação informal na região, as cargas poluidoras remanescentes são significativas. Para reduzir ainda mais as cargas de poluição que atualmente chegam ao Reservatório do Guarapiranga, o projeto também busca promover investimentos em abordagens inovadoras para a remoção de nutrientes do Rio Embu Mirim, responsável por aproximadamente 41% da carga de nutrientes atualmente lançada no reservatório.
Está em fase de elaboração um edital para contrato com modalidade considerada inovadora, dado que a remuneração será baseada no desempenho, para engajar o setor privado no fornecimento da solução mais eficaz, em termos de custos e resultados, para a remoção de nutrientes. Essa atividade também ajudará a cumprir o limite de lançamento de poluição no Reservatório de Guarapiranga, conforme definido na lei específica de qualidade da água para o reservatório.
Há muito trabalho a ser feito
Paralelamente, uma outra escala e tipologia de problemas está sendo enfrentada. A Sabesp e o Grupo de Recursos Hídricos 2030 (WGR2030) lançaram um projeto para otimizar o desempenho das grandes estações de tratamento de esgoto existentes na região metropolitana de São Paulo.
Por meio de auditoria de processos de cada uma das fases do tratamento de esgotos, estão sendo identificados os ajustes necessários na operação dessas ETEs, bem como investimentos pontuais e focados, que já estão resultando em melhoria da qualidade dos efluentes tratados e lançados no icônico Rio Tietê, que atravessa e degrada a área metropolitana. O projeto também está preparando essas ETEs para receberem e tratarem adequadamente os crescentes volumes resultantes dos investimentos em coleta de esgotos, em andamento nas regiões de população de baixa renda.
Os esforços para que a gestão de esgotos seja aperfeiçoada são um compromisso de longo prazo, como indica o Projeto de Desenvolvimento Rural Sustentável e Competitividade do Ceará (2012-2019), denominado localmente como Projeto São José. A iniciativa contribuiu significativamente para o estado avançar na direção do acesso universal aos serviços de abastecimento de água.
Mais especificamente, um projeto piloto, com foco em 15 famílias, as preparou para reutilizar águas residuais de seus domicílios (do banho e da cozinha) na irrigação. Com isso, foi possível aumentar os rendimentos da produção de frutas, verduras e legumes em suas chácaras, proporcionando às famílias alimentos nutritivos, prontamente disponíveis e variados, além de seguros para o consumo. O excedente da produção é vendido ou doado. O próprio solo se beneficiou das águas residuais reutilizadas, pois o manejo adequado reduziu a poluição e os agentes patogênicos lançados ao solo e às nascentes.
O projeto também financiou a troca de conhecimento sobre o reúso da água entre técnicos, lideranças locais e os beneficiários. Uma das beneficiárias, a pequena produtora rural Niédia Barbosa, da comunidade de Cristais, lembra-se de quando ela tinha pouco acesso a água, e a lama se espalhava por sua propriedade, pela falta de serviços de água e esgoto.
“Com o reúso de água, o problema acabou e agora tratamos o esgoto para cultivar verduras sem pesticidas” , ela disse.
Nosso trabalho no Brasil apresenta um exemplo de como as águas residuais, se gerenciadas, tratadas e utilizadas mais frequentemente, podem levar a diversos benefícios para a saúde humana e para a subsistência , bem como para o meio ambiente e a economia. Além disso, se for implementada em escala global, a coleta e o tratamento de águas residuais poderá servir como um catalisador fundamental para ajudar mais países a alcançarem o acesso universal a água limpa e ao tratamento do esgoto, que é um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Em tempos de maior escassez de água, os recursos com potencial inexplorado não devem ser desperdiçados.
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