Mesmo antes da eclosão da pandemia global de COVID-19, a insegurança alimentar era já uma séria preocupação em toda a África Subsariana. Segundo a Organização para a Agricultura e a Alimentação, 239 milhões de pessoas na região encontravam-se subnutridas em África desde 2018. Muito antes da pandemia de COVID-19, estas crises alimentares crónicas eram causadas por uma variedade de factores, incluindo choques económicos, climáticos e conflitos. Na realidade, as áreas que são gravemente afectadas pelas alterações climáticas – em especial a região do Sahel, o Corno de África e a África Austral – têm uma grande quantidade de pessoas que sofrem de insegurança alimentar. Na África Oriental, a violência intercomunitária e os conflitos armados perpetuam a instabilidade e as tensões, em especial no Sudão do Sul e são o grande motor do enorme número de refugiados nos países vizinhos, como o Uganda. Na Nigéria, o país mais populoso da região, o número de pessoas subnutridas foi estimado em mais de 25 milhões em 2018, um aumento de 180% face à década passada.
Este ano, uma praga de gafanhotos sem precedentes, que está a devastar partes do Corno de África, pode resultar em prejuízos de USD 8 500 milhões na produção agrícola e pecuária, reduzindo drasticamente as colheitas e os alimentos à venda nos mercados. Os choques climáticos, que têm estado a aumentar em número e gravidade nos últimos anos, podem também prejudicar a produção agrícola. Estas múltiplas crises, que se desenrolam em simultâneo, ameaçam engrossar as fileiras de pessoas famintas e vulneráveis em África. Os refugiados, deslocados internos e pessoas que vivem em áreas marcadas por conflito e fragilidade, como o Sahel, estão especialmente em risco.
Neste momento, a COVID-19 coloca desafios para além deste quadro de risco e vulnerabilidade.
Por um lado, encerramento de fronteiras, confinamentos e recolher obrigatório, que visavam abrandar a propagação da doença, estão a interromper as cadeias de abastecimento que, mesmo em circunstâncias normais, lutam por manter os mercados bem aprovisionados e os agricultores abastecidos com os necessários factores de produção agrícolas e pecuários tais como sementes de qualidade, adubos e rações. Estas perturbações podem ter um impacto económico muito maior em África, onde a agricultura é responsável por cerca de 60% do emprego total, do que noutras regiões do mundo. Na verdade, a produção agrícola em África pode ter uma contracção entre 2,6% e 7% se se mantiverem os bloqueios ao comércio.
Um outro factor importante é que a maior parte dos países africanos dependem fortemente da importação de alimentos — a região importou mais de 40 milhões de toneladas de cereais em 2018 — o que a torna especialmente vulnerável às proibições de exportações que alguns dos principais exportadores de bens alimentares impuseram no início da COVID-19. Ao mesmo tempo, a depreciação da moeda - a par de baixas reservas de divisas estrangeiras, preços em queda das culturas de exportação e de rendimento e o colapso das receitas de indústrias paralisadas, como óleo e o turismo - estão a afectar a capacidade de compra de alimentos de vários países. Os países africanos relatam também verificar-se escassez e uma alta dos preços de culturas alimentares no mercado interno, tais como painço, sorgo e milho. Os preços crescentes dos alimentos irão reduzir o poder de compra entre os consumidores rurais e urbanos, face à crescente percentagem de alimentos que é comprada (em vez de cultivada) até mesmo pelos pequenos agricultores na região: cerca de 60% dos alimentos consumidos na região são adquiridos em lojas tradicionais e em lojas modernas tanto nas zonas rurais como urbanas.
A 16 de Abril, os Ministros da Agricultura dos estados-membros da União Africana comprometeram-se publicamente a minimizar as perturbações no sistema alimentar e a garantir a segurança alimentar e nutricional de todos os seus cidadãos – particularmente os mais pobres e mais vulneráveis – durante e depois da pandemia de COVID-19. Na sua declaração, os Ministros instaram os governos a “priorizar o sistema alimentar e agrícola como um serviço essencial” e a “reconhecer que todos os tipos de sistemas alimentares — moderno, tradicional (mercados abertos, pequenas lojas) e informal (vendedores de rua) — têm um papel crítico no que toca a servir os diferentes mercados”. Ao fazê-lo, associaram-se ao grupo de outros países e organizações, tais como o G-20 e a ASEAN, que reconheceram que é necessário tomar medidas essenciais para que os alimentos continuem a circular neste momento excepcional.
Os Ministros apelaram aos parceiros para que aumentem o apoio com vista a evitar um potencial desastre humanitário. Ajudar os países africanos a resistir à crise e a reforçar os seus sistemas alimentares a longo prazo vai exigir uma série de acções imediatas e de longo prazo. O apoio aos meios de subsistência deveria ser para os formuladores de políticas uma prioridade primordial através da expansão de redes de segurança social e de programas produtivos: afinal, as pessoas precisam de rendimentos para comprar comida. Os formuladores de políticas deviam também eliminar as barreiras artificiais ao comércio interno e facilitar as ligações entre agricultores e mercados.
Responder a emergências alimentares, assegurar que as necessidades alimentares são integralmente atendidas e restaurar os meios de subsistência devia ser o enfoque imediato dos decisores. Em alguns locais, os decisores já estão a tomar estas medidas: no Chade, um projecto governamental , com o apoio de parceiros de desenvolvimento, está a fornecer kits de alimentos, a criar bancos de cereais e a distribuir sementes para colheitas futuras com vista a ajudar os agregados familiares que possam vir a passar fome por causa da COVID-19. Intervenções como estas irão ajudar a resolver não só a necessidade imediata de alimentos mas também a preservar a capacidade produtiva dos pequenos agricultores, que podiam começar a comer as suas sementes para matar a fome, acabando por nada terem para semear na estação agrícola seguinte. Na Zâmbia, o governo está a aproveitar a recente colheita abundante de milho do país para aumentar as reservas alimentares de emergência. A Agência de Reserva de Alimentos (FRA) da Zâmbia irá adquirir cerca de 1 milhão de toneladas métricas de milho aos agricultores – mais do dobro da média anual dos últimos anos – para garantir um abastecimento fiável, no caso de uma emergência alimentar.
A longo prazo, é impreterível que os países tomem medidas destinadas a criar sistemas alimentares resilientes, inteligentes em termos climáticos e competitivos. No Uganda, um projecto governamental está a ser reorientado com vista a fornecer tractores alugados e arados de bois às comunidades que têm tradicionalmente dependido de enxadas de mão. No Senegal, um programa novo visa criar resiliência às alterações climáticas e aos choques de mercado dos produtores com o aumento da produtividade dos sistemas agrícolas baseados no amendoim; pretende também diversificar a agricultura mediante o apoio ao desenvolvimento de outras cadeias de valor. E, no Quénia, estão a ser alavancadas tecnologias digitais através de parcerias em curso com 15 startups AgTech para transformar a entrega de factores de produção, análise de solos, seguro das colheitas, crédito, aconselhamento sobre extensão agrícola e ligações aos mercados. Projectos deste género podem habilitar os agricultores a ultrapassar os constrangimentos temporários relacionados com a COVID e a assegurar um melhor direccionamento e uma prestação de serviços mais eficaz, especialmente em áreas remotas a longo prazo.
Agindo agora, os países podem criar sistemas alimentares mais resilientes e produtivos na África Subsariana que irão apoiar a segurança alimentar durante e depois da pandemia.
Este blog, Protecting food security in Africa during COVID-19, foi publicado pela primeira vez em inglês no site de Brookings.
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