Há mais de 150 anos que as pessoas viajam de Moçambique para trabalhar nas minas da África do Sul. Embora as condições para os trabalhadores tenham melhorado desde os primeiros tempos em que esses emigrantes eram explorados, eles continuam a ser negligenciados.
Uma manifestação desta negligência tem sido os maus resultados de saúde dos mineiros e ex-mineiros, que registam taxas elevadas de tuberculose e de doenças pulmonares, muitas vezes não detectadas e não tratadas. Estes maus resultados de saúde também são transferidos para a sua comunidade, de onde o trabalhador vem e para onde regressa. As taxas de infecção pelo VIH também são significativamente elevadas nestes grupos, piorando as consequências das infecções pulmonares.
A negligência e os resultados adversos para a saúde também estão ligados às más condições de trabalho e de vida, à falta de acesso a informações de saúde adequadas e a serviços de diagnóstico e acompanhamento oportunos, agravados por uma percepção distorcida dos riscos para a saúde entre os mineiros.
Rastreio de saúde para emigrantes vulneráveis
O Banco Mundial e o Governo de Moçambique, através do Projecto Regional de Apoio à Tuberculose e aos Sistemas de Saúde da África Austral (SATBHSSP, AF17-24), têm apoiado o rastreio de saúde de emigrantes vulneráveis e prestado serviços de diagnóstico vitais nos pontos de passagem fronteiriços e nas suas comunidades.
Em Moçambique, a Organização Internacional para as Migrações (OIM) foi contratada pelo Ministério da Saúde de Moçambique (MISAU) para gerir um centro de saúde ocupacional recentemente criado em Ressano Garcia, na fronteira entre Moçambique e a África do Sul, e dois centros em Xai-Xai e Mandlakaze – de onde partem muitos emigrantes.
Estes centros detectam com sucesso problemas de saúde ocupacional através de serviços especializados e de abordagens inovadoras para chegar às populações mais vulneráveis e móveis. Eventualmente, a OIM irá entregar a gestão destes três centros ao MISAU, que está empenhado em continuar a fornecer pessoal e a prestar serviços de saúde de qualidade através do financiamento do orçamento do Estado, ou de outros parceiros do sector da saúde, após o encerramento do SATBHSSP em Dezembro de 2023.
As doenças não conhecem fronteiras – a cooperação é fundamental
O rastreio nos pontos fronteiriços é particularmente importante para o controlo de doenças transmissíveis na África Austral, uma vez que a incidência da tuberculose é desproporcionadamente elevada entre os mineiros e as suas comunidades. Na África do Sul, a incidência de tuberculose tem sido historicamente quatro a sete vezes mais elevada entre mineiros e ex-mineiros do que na população em geral.
O maior número de mineiros emigrantes de Moçambique atravessa a fronteira em Ressano Garcia, localizada na linha ferroviária e rodoviária Maputo-Pretória, do outro lado da fronteira de Komatipoort, na África do Sul.
Lá, o centro de saúde ocupacional de triagem gerido pela OIM fica a poucos passos do escritório da TEBA, a agência de recrutamento que gere os contratos dos mineiros que procuram trabalhar nas minas sul-africanas. Todos os anos, na TEBA, o pessoal da OIM incentiva milhares de mineiros a submeterem-se a exames médicos especializados, na esperança de detectar e impedir a propagação de doenças e ajudar os mineiros. Felix Nandza, que trabalhou nas minas sul-africanas durante 25 anos, deixando a família para trás em Maputo, é um desses mineiros.
As condições de trabalho nas minas aumentam o risco de contrair ou propagar a tuberculose. A má ventilação e a exposição inadequadamente controlada ao pó de sílica danificam os pulmões e tornam-nos susceptíveis à silicose, um factor de alto risco para tuberculose. Ser seropositivo também aumenta o risco de ser infectado pela tuberculose e de desenvolver tuberculose activa, que pode propagar-se ainda mais. Nas comunidades de origem, os locais de habitação podem ser pobres, sobrelotados e sem ventilação, permitindo uma propagação mais ampla da tuberculose e de outras doenças transmissíveis quando os trabalhadores regressam das minas.
Embora a OIM tenha trabalhado em estreita colaboração com a TEBA, nem todos os mineiros que renovam contratos na TEBA são avaliados, pois muitos temem que, se forem diagnosticados com uma doença, os empregadores os demitam do emprego. No entanto, com os esforços intensificados e a divulgação da OIM em 2022-2023, o número de mineiros que não foram rastreados tem diminuído, de 59% em Junho de 2022 para 21% em Março de 2023. Entre Maio de 2022 e Março de 2023, 10.307 mineiros foram rastreados, entre os 13.825 que renovaram os seus contratos com a TEBA.
A doença pulmonar é diagnosticada com a ajuda de radiografias de tórax (RXT) e, de Janeiro de 2022 a Março de 2023, os três centro de saúde ocupacional geridos pela IOM identificaram 3.542 mineiros com RXT anormais (Figura 1). Aproximadamente 80% apresentaram silicose, a afecção mais encontrada; 6% apresentavam tuberculose; e 9% apresentavam TB associada à silicose. No geral, a taxa de tuberculose positiva foi de cerca de 2% entre todos aqueles rastreados nestes centros.
Figura 1: Distribuição de radiografias torácicas com doença pulmonar compatível das três centros de saúde ocupacionais (amostra de Janeiro de 2022 a Março de 2023)
Com o apoio do SATBHSSP, o governo tem trabalhado com a OIM para chegar às comunidades com populações vulneráveis de mineiros, ex-mineiros e suas famílias em 13 distritos nas províncias de Inhambane e Gaza. Entre Outubro de 2022 e Março de 2023, 6.614 pessoas foram rastreadas para tuberculose a nível comunitário, das quais 7% foram diagnosticadas.
Esta abordagem implica o rastreio sistemático de uma população-alvo para casos activos (não latentes) de tuberculose em comunidades de envio de migrantes através de profissionais de saúde comunitários, campanhas locais de rastreio de saúde e colaboração com curandeiros e líderes tradicionais. Através da abordagem de detecção activa de casos da OIM a nível comunitário, cerca de 50% dos novos casos de tuberculose detectados são mineiros, ex-mineiros e outros trabalhadores migrantes que viajam de e para a África do Sul, enquanto os restantes 50% são outros membros da comunidade.
A OIM também tem trabalhado para garantir a adesão ao tratamento da tuberculose entre mineiros e ex-mineiros e realiza triagem de contactos domiciliares com colecta de expectoração no local e testes de HIV, Terapia Directamente Observada na comunidade (DOT-C), e encaminha e apoia os pacientes para unidades de saúde.
Colaboração transfronteiriça
Um segundo objectivo do projecto é ajudar na compensação de mineiros e ex-mineiros, o que tem sido um processo trabalhoso. Tem havido um progresso constante. Através dos centros de saúde ocupacionais, mineiros e ex-mineiros com doenças elegíveis podem submeter pedidos de compensação médica ao Gabinete Médico Sul-Africano para Doenças Profissionais e ao Comissário de Compensação para Doenças Profissionais, e receber o pagamento em Moçambique.
Foram observadas mais colaborações e progressos na regulamentação e inspecções de minas, acelerados pelo SATBHSSP com o apoio técnico da Agência de Desenvolvimento da União Africana – Nova Parceria para o Desenvolvimento de África (AUDA-NEPAD). No entanto, tal como acontece com a compensação, ainda há muito a fazer para garantir que as populações móveis em risco e vulneráveis à tuberculose e às doenças profissionais recebam assistência.
O SATBHSSP está activo em quatro países: Lesoto, Malawi, Moçambique e Zâmbia, com o envolvimento de duas entidades regionais – AUDA-NEPAD e a Comunidade de Saúde da África Oriental, Central e Austral (ECSA-HC). À medida que se aproxima a data de encerramento do projecto, uma retrospectiva dos resultados alcançados até agora revela progressos substanciais no atendimento à comunidade-alvo.
Um dos indicadores críticos do projecto – o número de mineiros e ex-mineiros examinados com sucesso para doenças pulmonares profissionais – já atingiu a sua meta, com 256.174 mineiros e ex-mineiros examinados nos quatro países.
Os países estão a intensificar os esforços para detectar casos activos de tuberculose nas comunidades, incluindo em áreas de difícil acesso, para compensar o tempo perdido durante a pandemia da COVID-19, que afectou gravemente a prestação de serviços de saúde na maioria dos países. Reportaremos mais resultados quando o projecto for encerrado em Dezembro de 2023.
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