Em todo o Grupo Banco Mundial, estão em curso esforços para ajudar os governos a responder à crise desencadeada pela COVID-19. A prioridade hoje é apoiar sistemas de saúde sobrecarregados e os milhões de trabalhadores e proprietários de empresas que estão sendo duramente atingidos. Pensando no futuro, porém, essa resposta também oferece uma oportunidade significativa para construir um futuro mais resiliente e sustentável.
Primeira fase: Lições das linhas de frente da resposta à crise
O foco inicial deve recair sobre a linha de frente: apoiar médicos e enfermeiros, bem como garantir o abastecimento de energia e água a residências e hospitais, o descarte correto dos resíduos e que a oferta de alimentos a preços acessíveis. A atenção também deve concentrar-se nas famílias atingidas por uma redução drástica da renda, sobretudo as das pessoas cuja ocupação está exposta (por exemplo, no turismo ou em restaurantes) ou cujos rendimentos são instáveis (por exemplo, trabalhadores autônomos), bem como os domicílios mais pobres com poucas economias.
Neste momento, o objetivo não pode ser estimular a demanda e aumentar a atividade econômica antes de o vírus ser controlado. Na verdade, precisamos de ações redistributivas para suavizar o choque.
Para isso, os governos podem recorrer, e de fato recorrem, aos sistemas de proteção social existentes. As “redes de segurança adaptativas” que usam esquemas de proteção social já existentes e que podem ser ampliadas rapidamente com o aumento do número de beneficiários e dos montantes transferidos são uma forma eficiente de ajudar as pessoas após um grande choque. Essa abordagem funcionou em Fiji após o furacão Winston e no Quênia e na Etiópia durante episódios de seca e pode ser aplicada agora.
Muitas outras medidas ad hoc também podem ser necessárias para manter o acesso a alimentos, abrigo ou outras necessidades básicas, que vão desde adiar o pagamento do aluguel ou das prestações da casa própria até entregar o almoço das escolas. Para evitar falências generalizadas, também será crucial assegurar liquidez para empresas viáveis. Empréstimos subsidiados ou garantias públicas são instrumentos comuns após desastres naturais e podem ser mobilizados.
Os tipos de apoio vão depender do contexto de cada país e do desenvolvimento de seus setores financeiros e sistemas de proteção social. Em muitos países de baixa e média renda, o apoio de bancos multilaterais de desenvolvimento e do FMI será crucial.
Em muitos países de baixa renda, urge financiar um reforço da capacidade do sistema de saúde e dos instrumentos de proteção social. Isso oferece uma primeira oportunidade para gerar benefícios de longo prazo, para além da crise atual: se forem concebidas de forma sustentável, essas melhorias nos cuidados de saúde e na proteção social podem aumentar a resistência a choques futuros, como os desastres naturais e os impactos da mudança do clima.
Segunda fase: Ajudar os países a se recuperar de forma sustentável
À medida que a crise sanitária imediata recue, muitas famílias terão esgotado suas economias ou acumulado dívidas elevadas e precisarão poupar mais e consumir menos. Da mesma forma, as empresas e instituições financeiras precisarão reconstruir seus balanços e terão menos capacidade de investir. É razoável prever que a demanda agregada permaneça deprimida por um período prolongado após o fim da pandemia.
Esse será o momento para um estímulo com o objetivo de alcançar uma recuperação financeira e econômica. As medidas do governo serão cruciais para retomar rapidamente uma situação econômica saudável. Dependendo do contexto, as autoridades podem lançar mão de cortes e reformas de impostos, transferências de renda e subsídios, e elevação dos gastos em setores ou projetos específicos. Embora as abordagens possam suscitar um intenso debate, há fortes motivos para um componente de gastos públicos elevados em um pacote de estímulos.
Essas ações terão efeitos duradouros sobre o sistema econômico. Mesmo que os investimentos gerem os mesmos benefícios no curto prazo, algumas opções serão melhores para promover o crescimento sustentável e a redução da pobreza no longo prazo. Pensando no futuro, portanto, o foco urgente nas necessidades de curto prazo não deve ignorar as oportunidades de atingir outras metas de longo prazo (e evitar tornar ainda mais difícil a consecução destas metas).
A prioridade entre elas é a descarbonização da economia mundial e os benefícios que isso produziria no de longo prazo. Nossas escolhas ao configurar os pacotes de estímulo afetarão nossa capacidade de atingir esse objetivo, criando riscos, mas também oportunidades.
Por exemplo, o componente da reforma tributária nos pacotes de estímulo poderia criar novas alíquotas para os impostos sobre os combustíveis, energia ou carbono, bem como diferentes incentivos para reduzir as emissões de carbono. A queda recente dos preços mundiais do petróleo é uma oportunidade para rever os subsídios ora em vigor em muitos países e redirecionar esses recursos para formas mais eficientes de reduzir a pobreza ou impulsionar o crescimento, ao mesmo tempo em que se promove uma transição para deixar para trás os combustíveis fósseis.
Uma ampla gama de investimentos pode impulsionar a geração de empregos e rendimentos no curto prazo e produzir benefícios em termos de sustentabilidade e crescimento no longo prazo. Entre os exemplos, destacam-se a eficiência energética nos prédios já existentes; a produção de energia renovável; a preservação ou a restauração de áreas naturais que oferecem serviços ecossistêmicos e resiliência a inundações, secas e furacões; a remediação de áreas poluídas; investimentos em tratamento de água e saneamento; ou infraestruturas de transporte sustentáveis, que vão desde ciclovias a sistemas de metrô.
Embora o estímulo possa ser necessário apenas daqui a alguns meses, agora é o momento de identificar o melhor pacote de estímulos possível, desenvolvendo projetos de modo a deixá-los prontos para serem executados e formulando as respectivas políticas para possibilitá-los.
Um quadro de estímulos verdes
Para responder à crise, não precisamos começar do zero: podemos usar projetos já identificados nos planos diretores nacionais ou setoriais dos países, bem como nos planos de adaptação à mudança do clima e nas Contribuições Determinadas Nacionalmente do Acordo de Paris. Os projetos devem então ser avaliados em termos de seu potencial para se adequar às necessidades de um estímulo, considerando várias dimensões temporais e setoriais, como:
- Os benefícios do estímulo de curto prazo e a geração de empregos, examinando o número de empregos gerados e a adequação às qualificações locais, se esses projetos exigem insumos nacionais ou importados, e a oportunidade dos projetos: quanto tempo será necessário para gerar esses empregos?
- Os benefícios em termos de crescimento a médio prazo, como o impacto dos custos de manutenção, o número de empregos permanentes criados após o término das obras, ou o nível de investimento privado mobilizado.
- A sustentabilidade de longo prazo e as contribuições para a descarbonização, passando pela avaliação da trajetória atual e futura das emissões do país, a proteção dos ecossistemas e biodiversidade locais e o impacto sobre o potencial de crescimento de longo prazo (por exemplo, ao melhorar o nível de escolaridade ou a saúde da população, ou ao reduzir os níveis locais de poluição do ar ou as vulnerabilidades a danos causados por inundações).
Muitos projetos podem se enquadrar bem nas três dimensões. A eficiência energética, a conservação da natureza, as opções de energia limpa e a sustentabilidade do transporte são áreas claramente vantajosas para investimentos de estímulo. Como exemplo, o pacote de estímulo da República da Coreia em 2008 previa grandes investimentos nesses setores, com foco na recuperação de rios, aumento da eficiência energética e transporte verde. O país foi eficiente nos gastos, com quase 20% dos recursos desembolsados até o primeiro semestre de 2009.
A restauração de florestas e paisagens degradadas poderia gerar muitos empregos no curto prazo, além de produzir benefícios líquidos no valor de centenas de bilhões de dólares em decorrência da proteção de bacias hidrográficas, melhoria da produtividade agrícola e oferta de produtos florestais. Na Etiópia, por exemplo, o Projeto de Regeneração Natural Assistida de Humbo aumentou a renda local e ajudou a restaurar 2700 hectares de floresta nativa biodiversificada, aumentando os benefícios do sequestro de carbono. O aumento da cobertura arbórea também reduziu a vulnerabilidade local à seca.
Outra opção clara para gerar muitos empregos e apoiar a retomada da economia é investir maciçamente na reforma de edifícios para torná-los mais eficientes do ponto de vista energético, mais confortáveis e saudáveis, bem como mais bem adaptados a temperaturas mais altas no futuro.
Em um pacote de estímulos, programas de obras públicas podem ajudar pessoas pobres a administrar o efeito direto da crise da COVID-19 sobre seus meios de subsistência. Esses programas podem ser imensamente abrangentes: são 80 milhões de participantes no Regime Nacional de Garantia do Emprego Rural Mahatma Gandhi, na Índia, e 10 milhões no Programa Nacional Pemberdayaan Mandiri, na Indonésia. Muitos desses programas se concentram na irrigação, arborização, conservação do solo e desenvolvimento de bacias hidrográficas e, se forem selecionados cuidadosamente, podem facilitar a transformação da economia no longo prazo. Na Etiópia, o Programa Rede de Segurança Produtiva está ajudando a aumentar a resiliência e a adaptação ao investir na criação de bens comunitários para reverter a grave degradação das bacias hidrográficas e proporcionar um abastecimento de água mais confiável.
Projetos de infraestrutura ambiciosos nas áreas de energia, transportes, água ou desenvolvimento urbano geralmente são difíceis de incluir em um estímulo, pois levam muito tempo para serem preparados. Contudo, a natureza única desta crise pode oferecer tempo para construir um inventário de projetos de infraestrutura verde para quando o estímulo for necessário. Como exemplos, esses projetos poderiam expandir consideravelmente a infraestrutura de carregamento de veículos elétricos, construir faixas para ônibus e bicicletas, melhorar os sistemas de transmissão e distribuição de eletricidade, ampliar a cobertura dos serviços de água e saneamento ou tornar os bairros mais habitáveis e reduzir seu consumo de energia.
Benefícios de longo prazo
Para aqueles de nós cuja atenção está voltada para a ameaça que a mudança do clima representa para os ganhos em termos de desenvolvimento conquistados a duras penas no mundo inteiro, esta crise soa como um presságio. Contudo, se formos estratégicos na maneira como concebemos as políticas em resposta, podemos alcançar resultados de curto e longo prazo que beneficiem tanto os interesses nacionais quanto os mundiais. O planejamento para isso, no entanto, deve começar já. Se acertarmos, a resposta à COVID-19 pode não apenas minimizar a dor e o sofrimento agora, mas também lançar as bases para um futuro mais verde, mais seguro e mais próspero.
Juntar-se à conversa