O desmatamento, inclusive na Amazônia, é um grande problema no Brasil. A crescente demanda global por alimentos e a aplicação negligente das leis de proteção ambiental nos últimos anos, que o corrente governo brasileiro está tentando reverter, estão entre as principais razões.
O desmatamento está intrinsecamente ligado a um modelo de crescimento extrativista que empurra a fronteira agrícola cada vez mais para dentro das florestas virgens. Uma pergunta importante é: o problema está ligado ao fato de a agricultura estar se expandindo na Amazônia (agricultura extensiva) em vez de usar as terras existentes de forma mais produtiva (agricultura intensiva)?
Em princípio, sim. Quando determinada demanda agrícola exige menos recursos (a própria definição de produtividade), menos terra será usada, limitando os incentivos para converter florestas naturais em terras agrícolas. Pesquisas demonstram que, em nível global, o aumento da produtividade agrícola reduz o desmatamento. No Brasil, o crescimento da produtividade do trabalho no setor de agricultura cresceu mais rápido que em todos os outros setores nos últimos 25 anos (figura 1).
Figura 1. Crescimento da produtividade do trabalho no Brasil, por setor, 1996–2021
Fonte: Banco Mundial, com base no banco de dados do Observatório da Produtividade Regis Bonelli, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Mas isso significa que promover a produtividade agrícola salvará a Amazônia? Neste ponto, as coisas ficam mais complicadas.
Paradoxo de Jevons
No século XIX, o economista britânico William Stanley Jevons estudou o consumo de energia e descobriu que, paradoxalmente, a tecnologia que aumentava a produtividade do carvão na verdade aumentava seu consumo. A explicação é intuitiva: o carvão relativamente mais barato e mais eficiente incentivava mais consumidores a abandonar outras fontes de energia.
A teoria pode ser aplicada à agricultura na Amazônia: o aumento da produtividade permitirá que os agricultores vendam mais, reduzindo a participação no mercado de produtores de outros lugares. O impacto disso no aumento ou na diminuição do desmatamento depende de muitos fatores, inclusive o mercado fundiário. É mais provável que haja desmatamento se for mais barato aumentar a produção usando mais terra em relação à mão de obra, ao capital ou aos insumos, como fertilizantes.
Se a terra for a opção mais barata, aplica-se o paradoxo de Jevons: uma produtividade maior aumenta a demanda por terra e, por conseguinte, o desmatamento — mesmo que a agricultura se torne mais eficiente. Nesse caso, a produtividade agrícola não salvaria a Amazônia, embora possa reduzir a pressão sobre as florestas naturais de outras partes do mundo, que perderiam mercado para os produtores amazônicos.
Ainda não está claro se o paradoxo de Jevons se aplica à agricultura em toda a Amazônia. Todavia, considerando apenas os estados da Amazônia Legal do Brasil (Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e partes do Maranhão), nossa pesquisa — publicada recentemente no Memorando Econômico para a Amazônia Legal do Banco Mundial — e outra pesquisa empírica recente indicam que sim. Isso também é corroborado por evidências anedóticas: os agricultores que se beneficiavam de financiamento e medidas públicas de apoio à produtividade estavam violando as leis ambientais para posteriormente desmatar suas propriedades.
Como conter o efeito Jevons
Nossa pesquisa recente demonstra que, para mitigar o paradoxo de Jevons, é necessária uma combinação de políticas publicas:
Comando e controle. A maior parte do desmatamento no Brasil é considerada ilegal, graças a seu importante Código Florestal. Em princípio, a aplicação do código — por meio de intervenções de comando e controle — restringiria a área natural disponível para a conversão agrícola. Usar mais terra deixaria de ser a forma mais barata de aumentar a produção agrícola (já que a terra passaria a ser mais escassa), o que incentivaria a intensificação agrícola.
No entanto, o aumento implícito dos custos de produção é algo impopular entre produtores e consumidores, o que faz com que seja politicamente mais difícil de se aplicar, especialmente numa extensão territorial com instituições relativamente fracas. Isso pode prejudicar a eficaz e a sustentabilidade das intervenções de comando e controle.
Felizmente, políticas complementares podem fornecer mais apoio:
- Financiamento baseado no desempenho. O financiamento para a conservação pode oferecer grandes incentivos para proteger as florestas naturais do Brasil, especialmente se os pagamentos estiverem condicionados a um desempenho comprovado. O Brasil já tem certa experiência com programas de financiamento baseado no desempenho, inclusive o Fundo Amazônia. Os títulos vinculados à sustentabilidade constituem outra ferramenta de financiamento baseado no desempenho que o Brasil poderia adotar.
- Crescimento além dos estados amazônicos. Os estados amazônicos respondem por menos de um quinto da agricultura brasileira (o Mato Grosso, por si só, é responsável por quase um terço da produção da Amazônia Legal). Nossa pesquisa indica que um aumento da produtividade em áreas fora da Amazônia Legal também reduziria a pressão por desmatamento. O motivo disso é que os ganhos de produtividade ocorreriam principalmente nos mercados em que o desmatamento ocorreu há mais tempo e onde os mercados agrícolas são mais maduros. À medida que a agricultura extensiva se tornasse menos viável, os ganhos de produtividade resultariam na intensificação agrícola, aliviando a pressão sobre as terras naturais na Amazônia e em outras florestas ao redor do planeta).
- Diversificação em todo o Brasil. Embora a especialização excessiva do Brasil na produção de commodities seja uma das causas do desmatamento, isso poderia ser revertido superando o legado das políticas de industrialização baseadas na substituição de importações e na oferta de proteção comercial aos setores não produtores de commodities no Brasil. Nossa pesquisa demonstra que aumentar a produtividade na manufatura e nos serviços relacionados a ela é uma estratégia campeã tanto para os estados amazônicos quanto para todo o país. Se combinada a um aumento da produtividade agrícola, pode impulsionar o crescimento da produção geral com muito menos danos às florestas. Embora reverter o declínio de longo prazo da manufatura e de certos serviços (figura 1) possa render ganhos enormes, isso não será fácil.
Um equilíbrio delicado de políticas públicas
Definir a combinação certa de políticas para maximizar o desenvolvimento socioeconômico e minimizar os danos ambientais é um desafio. Quanto mais complexo for o desafio, mais instrumentos serão necessários para enfrentá-lo. As políticas devem fortalecer a produtividade agrícola, permanecendo atentas a possíveis consequências não intencionais para as florestas naturais. Quanto mais robustas forem as instituições e quanto mais maduros e diversificados forem os mercados, maior será a probabilidade de que a agricultura e as florestas possam coexistir em harmonia.
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