A energia hidrelétrica tem um papel importante na consecução do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 7 das Nações Unidas, de garantir o acesso a energia barata, confiável, sustentável e moderna para todos. É a maior fonte de energia com zero carbono, responsável por aproximadamente 16% da eletricidade mundial.
Além disso, há um potencial de 10.000 TWh por ano de energia hidrelétrica ainda não desenvolvida, com a possibilidade de oferecer serviços modernos de energia a milhões de pessoas. No entanto, embora a energia hidrelétrica permaneça entre as fontes de menor custo globalmente, seu desenvolvimento requer um investimento considerável. Os governos dos países emergentes, portanto, precisam compreender os benefícios econômicos de longo prazo desse investimento.
O Brasil é um estudo de caso importante para quantificar os benefícios econômicos do investimento em hidrelétricas . O país passou por uma rápida onda de industrialização nas décadas de 60 e 70 do século passado, com investimentos expressivos em infraestrutura. Desde a década de 1970, o Brasil fez do setor energético um elemento central de sua economia e as hidrelétricas se tornaram a solução para a produção de energia elétrica . Essa década trouxe investimentos significativos em energia hidrelétrica, incluindo a construção das maiores usinas hidrelétricas do mundo, como as Hidrelétricas de Itaipu e Tucuruí e o Complexo Hidrelétrico de Paulo Afonso.
Embora a crise financeira da década de 1980 tenha minado a capacidade de investimento do governo e causado um longo período de estagnação, os investimentos em energia hidrelétrica voltaram a crescer nos anos 2000. Entre 1970 e 2010, a geração total de eletricidade aumentou dez vezes, com a energia hidrelétrica correspondendo a aproximadamente 88% do consumo total (Figura 1).
Figura 1. Geração de Energia Elétrica no Brasil, 1970-2010. Fonte: IEA World Energy Balances Database. Foto: Jose Luis Stephens, Shutterstock / Ilustração de dados: Giannina Raffo.
Os avanços no processo de eletrificação acompanharam o desenvolvimento hidrelétrico. As taxas de eletrificação residencial cresceram acentuadamente, com o acesso domiciliar aumentando de aproximadamente 48% para 99% e cobrindo três quartos da área do país no mesmo período (Figura 2).
Figura 2. Acesso à Eletricidade no Brasil, 1970-2010. Fontes: ONS, ANEEL, World Bank Open Data. Foto: Julio Pantoja, Banco Mundial / Ilustração de dados: Giannina Raffo.
Para encontrar a resposta, o estudo do Banco Mundial Electricity Access and Structural Transformation: Evidence from Brazil's Electrification (Acesso à Eletricidade e Transformação Estrutural: Evidências da Eletrificação no Brasil) desenvolveu um modelo de equilíbrio geral com crescimento econômico desequilibrado e, em seguida, analisou o modelo quantitativamente com base nos dados do Brasil. A característica marcante do modelo é a introdução de uma infraestrutura de energia elétrica escolhida por um governo otimizador. Essa infraestrutura aumenta a produtividade do investimento das empresas em capital privado consumidor de energia. Também reduz os custos fixos de operação das empresas por meio, por exemplo, de uma menor necessidade de equipamentos de apoio, como pequenos geradores a diesel. Além disso, as melhorias no acesso à eletricidade facilitam o progresso tecnológico - como, por exemplo, a adoção de bombas de irrigação elétricas.
No cenário de referência das simulações de modelos, reproduzimos o investimento real em acesso à rede elétrica e capacidade de geração. Em seguida, comparamos com um cenário hipotético em que a economia do Brasil segue a mesma linha de base, exceto por acesso à eletricidade e capacidade de geração, que permaneceriam no nível da década de 1970. Embora um pouco extremo, esse caso nos permite quantificar até que ponto a infraestrutura de energia contribuiu para o desenvolvimento econômico do país.
Os resultados desse exercício são impressionantes. Nos primeiros anos, o valor agregado bruto (VAB) simulado está aproximadamente no mesmo nível em ambos os cenários. No entanto, sem infraestrutura de energia, há uma queda drástica da produção em relação ao cenário de referência em todos os setores da economia brasileira nos anos seguintes (Figura 3).
Figura 3. PIB Real Simulado, 1970-2006. Fonte: Cálculos dos autores revisados com base em Perez-Sebastian et al. (2020). Foto: Mariana Ceratti, Banco Mundial / Ilustração de dados: Giannina Raffo.
O setor industrial é particularmente afetado, com um VAB simulado em 2006 que é 37,55% inferior ao caso de referência. A produção na agricultura e no setor de serviços teria diminuído 20,64% e 22,92% em relação ao modelo de referência, respectivamente (Figura 4). Em suma, a restrição da disponibilidade de eletricidade tem um impacto significativo no bem-estar, reduzindo o PIB em 35,96%.
Figura 4. Média simulada do VAB setorial, 1970-2006. Fonte: Cálculos revisados dos autores com base no Perez-Sebastian et al. (2020). Foto: Mariana Ceratti, Banco Mundial / Ilustração de dados: Giannina Raffo.
Além dos efeitos diretos no crescimento, descobrimos que os investimentos em infraestrutura de energia também causaram mudanças na estrutura da economia brasileira . Na ausência da criação de uma infraestrutura de energia, a participação do setor de indústria intensiva em energia teria sido, em média, 1,73% menor, enquanto as de serviços e da agropecuária teriam sido 1,67% e 0,06% maiores, respectivamente. Embora esses efeitos relativos possam parecer menores devido à natureza compensatória de vários efeitos de equilíbrio geral, eles explicam pelo menos um quinto do processo de transformação estrutural observado (ou seja, a transição econômica da agricultura para a indústria e da indústria para os serviços).
Outros estudos também constataram que os investimentos em infraestrutura de energia melhoraram o desenvolvimento humano a longo prazo, e que locais adequados para geração de energia hidrelétrica tiveram melhorias nos rendimentos de seus cultivos, reduzindo assim o desmatamento.
Uma observação final importante é que a construção de usinas hidrelétricas por si só não gera ganhos de longo prazo se não for acompanhada por políticas de eletrificação . Outro estudo recente verificou que, embora os municípios brasileiros que construíram usinas hidrelétricas tenham experimentado maiores ganhos econômicos locais do que municípios semelhantes com projetos hidrelétricos planejados - mas ainda não construídos -, esses ganhos foram passageiros. Ou seja, os efeitos econômicos de longo prazo da disponibilidade de eletricidade em toda a economia - como a redução dos custos operacionais e o aumento da produtividade - são consideravelmente maiores do que os efeitos econômicos locais associados à construção de projetos de grande escala, como usinas hidrelétricas.
#Infra4Dev é uma série de postagens que apresenta pesquisas econômicas recentes do Banco Mundial para ilustrar como a infraestrutura é fundamental para o desenvolvimento.
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