Prêmio Nobel de Economia 2019, Esther Duflo enfatizou a importância da esperança para o alívio da pobreza : “Um déficit de esperança pode gerar uma armadilha da pobreza e, inversamente, a esperança pode alimentar uma saída”.
Você pode estar se perguntando: o que isso tem a ver com as meninas no Brasil e na América Latina, como o título sugere? Muito.
Mulheres jovens na América Latina e no Caribe podem ser privadas de esperança devido à pobreza, à falta de oportunidades e às normas de gênero que restringem suas opções . Elas podem se sentir incapazes de assumir o controle de suas vidas e ser agentes de mudança. Atualmente, as meninas na América Latina são propensas a três fenômenos, todos com consequências negativas para seu bem-estar futuro e o de seus filhos:
- Uma em cada três meninas (idades de 18 a 24) na América Latina, totalizando bem mais de 18 milhões de jovens mulheres, nem estuda nem trabalha (“nem-nem”) ;
- A América Latina é uma das regiões com as taxas mais altas de gravidez na adolescência em todo o mundo ;
- E, finalmente, cerca de uma em cada quatro meninas na região está casada aos 18 anos (ou vive em união informal). O Brasil, por exemplo, ocupa o 4º lugar na lista dos países com maior número absoluto de casamentos infantis.
Esses fenômenos, gostaria de argumentar, estão profundamente interligados e todos têm consequências negativas para o futuro bem-estar das meninas e de seus filhos. Ser nem-nem, ter um filho na adolescência e casar-se aos 18 anos estão relacionados aos papéis tradicionais da mulher, com exclusão e falta de oportunidades.
No Brasil, tentamos abordar essas questões em uma recente iniciativa piloto do Banco Mundial com a Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro e o Promundo.
Tornando-se agentes de mudança
Novamente, o que isso tem a ver com esperança?
Antes de iniciar a intervenção piloto, realizamos um estudo qualitativo sobre o tema das mulheres nem-nem no Brasil e descobrimos que muitas vezes elas se referiam a si mesmas como receptoras em vez de agentes de mudança. Além disso, suas aspirações eram em grande parte voltadas para se tornar mãe e dona de casa, com forte impacto para a gravidez na adolescência e o casamento precoce.
Na ausência de modelos, oportunidades e sistemas de apoio, muitas jovens mulheres no Brasil - e na região em geral, especialmente aquelas que vivem na pobreza - podem desejar se tornar donas de casa em vez de mulheres economicamente independentes e agentes de seu próprio destino. Em geral, isso se deve a restrições estruturais (pobreza, exclusão, normas tradicionais de gênero).
O projeto piloto Projetando Futuros teve como objetivo apoiar as meninas a permanecer na escola e fomentar aspirações associadas à educação e ao trabalho. É bem apropriado falar sobre isso enquanto o mundo se prepara para o Dia Internacional da Menina deste ano, cujo tema é “Minha voz, nosso futuro igualitário”, e destaca a necessidade de as meninas aprenderem novas habilidades para viver um futuro escolhido por elas.
O Projetando Futuros foi implementado em duas escolas (uma no Complexo do Alemão, um conglomerado de 14 comunidades pobres, e outra no subúrbio de Cascadura, no Rio de Janeiro) para ajudar as meninas a superar obstáculos enfrentados na transição do Ensino Médio para o Ensino Superior e /ou mercado de trabalho. Cerca de 250 alunos participaram no total.
Foi desenvolvido um caderno de atividades e um guia de treinamento para educadores, ajudando-os a promover o diálogo com seus alunos sobre relações mais equitativas entre homens e mulheres, uso do tempo e divisão de trabalho em casa, o mundo do trabalho (e barreiras e oportunidades associadas a ele) e possibilidades de educação continuada.
Planejando o futuro agora
Após a primeira rodada de implementação, o feedback foi extremamente positivo. Os professores indicaram que o absenteísmo havia diminuído e que os alunos estavam reconhecendo o valor de concluir os estudos, bem como a importância de conseguir um emprego de boa qualidade. A escola tornou-se um local no qual os alunos experimentavam um sentimento de comunidade, onde se sentiam ouvidos, segundo a avaliação qualitativa.
“Eu planejo meu futuro agora. Eu não vou apenas esperar pelo amanhã. Agora é agora”, disse uma aluna que participou do piloto. Outras compartilharam como os meninos na sala de aula reviram suas atitudes e comportamentos sexistas em relação às colegas. “Os alunos se viram como protagonistas de suas próprias vidas”, comentou uma professora. Por fim, o diretor de uma das escolas disse: “Agora é uma aula diferente, uma história diferente, uma vontade de viver diferente”.
O desejo de ação é claro: não abordar essa questão pode não apenas trazer consequências negativas para as mulheres jovens, mas também contribuir para a criação de armadilhas de pobreza. As mulheres jovens (pobres) da região precisam ser expostas a modelos de comportamento, a oportunidades disponíveis para meninas de classe média e a ambientes educacionais que apoiem seu papel de agentes de suas próprias vidas. Isso é o que buscamos no Projetando Futuros.
O fato de que essas meninas (e meninos) ganharam esperança com esse piloto se reflete em seu compromisso fortalecido em sala de aula, seu envolvimento na escola, seu melhor desempenho e sua vontade expressa de assumir o controle do que vem a seguir. Verdadeira e certamente, as restrições estruturais que esses jovens enfrentam precisam ser eliminadas ao mesmo tempo. Isso inclui melhores oportunidades educacionais, empregos, transporte seguro e creches para aqueles que já têm filhos.
A experiência muito positiva com o piloto plantou uma semente de esperança. Esperamos que a mudança seja realmente possível e que as meninas no Brasil e na América Latina, de forma mais ampla, possam ter um futuro melhor.
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