O Brasil corre o risco de perder a Amazônia
Desde o surgimento da agricultura, há cerca de 12 mil anos, os humanos vêm gradualmente alterando — e destruindo — as paisagens naturais do planeta. Apenas cerca de 13% da terra ainda permanece em seu estado selvagem. No Brasil, a fronteira agrícola continua avançando cada vez mais rumo ao “pulmão do mundo”, destruindo ecossistemas milenares, que abrigam uma biodiversidade excepcional e 300 mil indígenas , e colocando em risco o clima regional e global. Felizmente, muita atenção tem sido dada à proteção do bioma, inclusive com o apoio de mais de 60% da população do Brasil, país que abriga dois terços da Amazônia.
O Brasil é, há muito tempo, pioneiro na conservação florestal, com muitas áreas protegidas e territórios indígenas em seus nove estados amazônicos, que, juntos, cobrem uma área maior que a França, a Espanha, a Alemanha, a Itália e o Reino Unido. Diversos municípios foram incluídos em listas de exclusão, e produtores de soja e pecuaristas comprometeram-se a criar zonas livres de desmatamento. Além disso, o sistema brasileiro de monitoramento por satélite em tempo real permite ao país detectar rapidamente o desmatamento ilegal e, em princípio, mobilizar as autoridades para detê-lo.
Tudo isso vinha ajudando a proteger a Amazônia. No entanto, ao longo dos últimos sete anos, o desmatamento voltou a crescer, fazendo com que a Amazônia deixasse de ser um sumidouro de carbono e se transformasse num emissor líquido desse gás. Há um risco real de que cheguemos a um ponto de inflexão que desencadearia a morte permanente de grandes extensões florestais. Isso representaria uma calamidade regional e global — para os povos indígenas da Amazônia, para os agricultores e produtores de energia hidrelétrica em toda a América do Sul e para a biodiversidade global — e aceleraria o aquecimento global.
É urgente e necessário que evitemos o aumento do desmatamento. A questão é: quanto custaria fornecer incentivos para deter o desmatamento?
Quanto vale a Amazônia brasileira?
Um primeiro passo é estimar o valor monetário da Amazônia (ver tabela 1). Como é impossível avaliar todos os componentes da floresta em pé, nossas estimativas representam os valores mínimos.
Tabela 1: Valores da Amazônia brasileira, com avaliação mínima dos valores de proteção (em bilhões de dólares estadunidenses por ano)
Valores privados: incluem o turismo e a produção sustentável de madeira, castanha-do-brasil, borracha e outros bens.
Valores públicos regionais: incluem os benefícios ecossistêmicos para todo o continente, por meio da regulação do clima local e da precipitação (os “rios voadores” nascidos na Amazônia, que beneficiam todo o continente), da polinização e da proteção das florestas intactas contra incêndios florestais na própria região.
Valores públicos globais: representam a maior parte do valor da Amazônia, em grande parte devido a sua enorme capacidade de armazenar CO2, que, segundo uma avaliação conservadora, vale US$ 40 por tonelada. Além disso, um considerável “valor de opção” — uma espécie de arca do tesouro medicinal para a indústria farmacêutica, por exemplo — está associado à biodiversidade da Amazônia. Também há valor na mera existência da Amazônia e de sua biodiversidade, que pode ser estimada por meio de estudos e levantamentos.
Em resumo, a Amazônia gera um valor anual de pelo menos US$ 317 bilhões, o que supera as estimativas mais generosas do valor associado ao corte dessas florestas para extração de madeira, pecuária, soja ou mineração (de US$ 43 bilhões a US$ 98 bilhões).
Quanto devemos pagar para proteger a Amazônia?
Embora a monetização do valor da Amazônia brasileira possa render pagamentos anuais equivalentes a aproximadamente 20% do PIB (US$ 317 bilhões), apenas o valor de uso da floresta para outros fins (US$ 43 bilhões a US$ 98 bilhões por ano) precisa ser compensado para desincentivar totalmente o desmatamento.
Na realidade, a Amazônia brasileira está encolhendo a uma taxa de 0,3% ao ano. Os pagamentos podem ser feitos apenas para a parte da floresta que corre um risco real de desmatamento, vinculando a compensação necessária pelo desmatamento evitado ao valor de oportunidade de conversão da floresta para outros usos. Esse valor (conforme estimativas máximas) está na faixa de US$ 43 bilhões a US$ 98 bilhões por ano, o que corresponde a um valor total de estoque de US$ 1,4 a US$ 3,3 trilhões.
Usando esses números aproximados, se a área estimada da floresta em risco em determinado ano fosse de 12.200km2 (área perdida em 2021) e se essa área fosse totalmente protegida, de US$ 5 bilhões a US$ 10 bilhões precisariam ser desembolsados, além, idealmente, do custo de aplicação das leis de proteção florestal.
São incentivos consideráveis. Um valor intermediário de, digamos, US$ 7 bilhões corresponde a 0,4% do PIB nacional. Contudo, se considerarmos apenas os nove estados da Amazônia Legal brasileira, o valor equivale a 6% do PIB da região, ou 23% dos orçamentos anuais desses estados, o que é muito significativo.
Além dos mercados de carbono, recursos de doação (como o Fundo Amazônia, apoiado pela Noruega e pela Alemanha) também podem ser de grande ajuda. Em termos globais, parece haver apoio para isso: as estimativas indicam que os brasileiros estariam dispostos a pagar US$ 120 milhões por ano, ao passo que os americanos pagariam US$ 340 milhões, e os canadenses, US$ 38 milhões.
Para que deve ser usado o financiamento?
Uma grande parte do financiamento deve ir para os governos do Brasil e dos estados da Amazônia Legal, pois muitos recursos são necessários para custear os esforços de proteção florestal dos órgãos de aplicação da lei e de governança territorial e florestal. Também será fundamental promover o desenvolvimento sustentável e melhorar os padrões de vida por meio de fontes alternativas de renda de forma a aliviar a pressão sobre a floresta. A promoção de maior produtividade urbana e agrícola também requer investimentos.
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