A Floresta Amazônica é um bem natural precioso, que presta importantes serviços ecossistêmicos ao Brasil, à América Latina e ao mundo. A floresta é capaz de determinar, em grande parte, o clima do Brasil e, portanto, tem uma influência enorme na economia do país. É também um grande sumidouro de carbono: se o dióxido de carbono retido pela floresta fosse liberado, seria impossível limitar o aquecimento global à meta de 1,5 ºC estabelecida no Acordo de Paris. O não cumprimento dessa meta teria impactos devastadores no mundo todo e, especialmente, no Brasil.
Ao mesmo tempo, as pessoas que vivem nos estados da Amazônia Legal brasileira — Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Rondônia, Roraima, Pará, Tocantins e Maranhão — estão entre as mais pobres do Brasil. Mais de 40% vivem com menos de R$ 20 por dia [1]. A maioria dessas pessoas pobres reside em cidades, grandes ou pequenas. No entanto, a pobreza gera efeitos ainda piores para os pobres que vivem nas áreas rurais; entre esses, populações que seguem modos de vida tradicionais — como, por exemplo, os povos indígenas — apresentam os piores resultados.
Como o Brasil pode proteger a Floresta Amazônica para que ela continue a fornecer os serviços ecossistêmicos vitais de que o país e o mundo precisam, permitindo, ao mesmo tempo, que as pessoas que vivem na região alcancem maior prosperidade?
É fato que o atual modelo de desenvolvimento não conseguirá fazer isso. Atualmente, o crescimento econômico da Amazônia depende, em grande parte, de práticas insustentáveis, entre as quais o desmatamento — que, somente em 2022, destruiu uma área florestal do tamanho do Catar. Isso obviamente ameaça os meios de subsistência dos povos tradicionais que vivem na floresta há séculos. Ademais, o modelo atual nos aproxima cada vez mais de um ponto de inflexão, após o qual a floresta será incapaz de gerar chuvas suficientes para se autossustentar, ou para contribuir para aspectos-chave da economia brasileira.
No recém-lançado memorando econômico sobre a Amazônia Legal brasileira, elaborado pelo Grupo Banco Mundial, propomos um modelo de desenvolvimento equilibrado e sustentável, que busca, ao mesmo tempo, preservar a riqueza natural e gerar riqueza econômica (ver figura 1).
Figura 1: Desenvolvimento sustentável e inclusivo na Amazônia Legal
Um elemento-chave desse modelo é a própria proteção da Floresta Amazônica. Os “rios voadores” criados pela floresta fornecem as chuvas que sustentam a agricultura, a geração de energia hidrelétrica, o abastecimento de água e a atividade industrial. Como se sabe, a proteção da floresta depende da conclusão dos processos de designação legal da terra (inclusive de áreas protegidas e territórios indígenas), da aplicação e fiscalização do código florestal e de pagamentos adequados pela prestação de serviços ecossistêmicos.
Além disso, há outro aspecto importante do modelo proposto, que nem sempre é considerado no debate: a transformação estrutural da economia amazônica. Historicamente, as economias se desenvolvem à medida que a produtividade dos setores econômicos aumenta e à medida que os empregos migram cada vez mais da agricultura para os setores de manufatura e serviços. Esses ganhos de produtividade permitem que as regiões menos desenvolvidas alcancem as mais avançadas num processo conhecido como "convergência".
Nosso estudo indica como o Brasil pode promover a transformação estrutural e a convergência regional na Amazônia Legal, e ao mesmo tempo preservar as florestas naturais da região. Essa abordagem destaca o papel fundamental das cidades, pequenas ou grandes, que gerarão a maioria dos empregos no processo de transformação estrutural. Se as cidades tiverem um bom desempenho, as forças macroeconômicas aliviarão a pressão sobre a exploração florestal e ao mesmo tempo irão gerar empregos; se as cidades tiverem baixa performance, ficará cada vez mais difícil conter a destruição da floresta.
O aumento da produtividade nas áreas urbanas pode transformar o atual cenário numa situação em que todos ganham. Tal aumento seria capaz de gerar rendas mais elevadas usando menos recursos, inclusive menos recursos florestais. Um modelo de crescimento que transfira o foco para o aumento da produtividade seria um complemento perfeito para a melhoria da governança fundiária e florestal.
Naturalmente, qualquer transformação implica rupturas, que precisam ser gerenciadas. Isso é especialmente verdadeiro no caso de pessoas que são marginalizadas, têm capacidade limitada de absorver choques econômicos e vivem numa região social e ambientalmente sensível como a Amazônia. Será fundamental manter o foco nos meios de subsistência rurais sustentáveis (a bioeconomia) para manter os modos de vida tradicionais que aproveitam o valor da floresta sem destruí-la.
Reconhecendo que um desenvolvimento mais sustentável e inclusivo na Amazônia requer financiamento, também oferecemos algumas ideias sobre como aumentar o financiamento para a conservação com base em reduções mensuráveis no desmatamento. Os recursos podem vir de doadores, mercados financeiros, mercados de carbono, setor privado e instituições financeiras internacionais, como o próprio Banco Mundial. Para esse fim, estamos intensificando o financiamento baseado no desempenho para combater as mudanças climáticas, por meio, por exemplo, do programa de Ampliação da Ação Climática por meio da Redução das Emissões (SCALE).
Nosso relatório, que se baseia em extensas pesquisas, identifica quatro intervenções principais para fomentar o desenvolvimento sustentável e inclusivo na Amazônia Legal:
- Melhorar o bem-estar da população local, promovendo a produtividade por meio da transformação estrutural em áreas rurais e urbanas;
- Proteger a floresta, fortalecendo a governança territorial e florestal, inclusive por meio da aplicação da legislação em vigor (comando e controle);
- Fomentar meios de subsistência rurais sustentáveis, acessando o capital natural associado à floresta em pé e protegendo os mais pobres e os modos de vida tradicionais; e
- Estruturar o financiamento para a conservação, vinculando-o a reduções mensuráveis do desmatamento e fazendo uso de recursos públicos e privados ou de soluções baseadas no mercado.
Esta é a primeira de uma série de publicações sobre este tema. Nas próximas semanas, examinaremos mais de perto alguns dos insights do relatório. Fiquem de olho!
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[1] Este relatório ainda adota a antiga linha de pobreza.
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