Em 2008, os parlamentares que entraram na Assembleia Nacional Santomense encontraram fotos de vítimas de violência doméstica nas paredes do corredor. Maria das Neves, a primeira mulher primeira-ministra de São Tomé e Príncipe, organizou a galeria de fotos para conscientizar os colegas parlamentares sobre a violência doméstica no país. Na época, ela era a única mulher em um parlamento de 55 membros. Essa exposição foi crucial para promover uma lei especializada em violência doméstica ao topo da agenda legislativa do país. Duas advogadas, Célia Posser e Ilza dos Santos Amado Vaz, redigiram a lei, o que sinalizou a participação forte e ativa das mulheres santomenses em colocar a igualdade de gênero no centro das atenções.
O Global Indicators Brief "Reformas legais para proteger as mulheres no lar e no trabalho em São Tomé e Príncipe” discute os esforços para elaborar e aprovar a Lei. No. 11/2008 sobre violência doméstica e familiar, popularmente conhecida como "Lei Maria das Neves".
Quinze anos após a promulgação dessa importante legislação, nós, da equipe Mulheres, Empresas e o Direito do Banco Mundial, convidamos Maria Das Neves e Célia Posser para debater os próximos passos na agenda referente a igualdade de gênero no país, incluindo a necessidade de atualizar o texto da Lei nº 11/2008 para enfrentar os desafios persistentes.
Nossa conversa ocorreu durante um webinário que a equipe de Mulheres, Empresas e o Direito organizou em 8 de fevereiro de 2023, com organizações da sociedade civil e não governamentais, representantes do setor privado e profissionais do direito de São Tomé e Príncipe. Todos apontaram a necessidade de reformar o sistema judiciário para lidar melhor com a violência contra a mulher, o impacto positivo da participação feminina em cargos de tomada de decisão e também a inclusão de outros tópicos na agenda de igualdade de gênero , como a inclusão financeira feminina.
As três principais conclusões a seguir foram extraídas de nossa conversa com Maria Das Neves e Célia Posser.
1. O sistema de justiça criminal precisa ser reformado para ser mais eficaz na prevenção da violência contra as mulheres.
Nos últimos quinze anos, a realidade das mulheres e meninas santomenses mudou muito. O número de casos de violência doméstica relatados à Polícia Nacional continuou a aumentar, apesar da promulgação de leis que protegem as mulheres (veja a Figura 1).
Maria das Neves e Célia levantaram a hipótese de que mais mulheres deram um passo à frente e denunciaram a violência doméstica à polícia agora que têm proteção legal. Todavia, essa tendência alarmante exige medidas adicionais para tornar a proteção legal mais eficaz na prevenção de casos de violência doméstica.
"Infelizmente, a implementação da lei de violência doméstica não tem sido a melhor. Estamos pensando em revisar o código penal para incluir o crime de violência doméstica", afirmou Célia. Ela explicou que o crime de violência doméstica só foi codificado por uma lei penal específica que estabelece sentenças de até 16 anos de prisão para os infratores. Como muitos juízes de São Tomé e Príncipe ainda se referem ao Código Penal, que aplica penas menos severas aos agressores, é fundamental conscientizar e familiarizar os juízes com a lei específica sobre violência doméstica. Célia também mencionou a importância de abrigar as sobreviventes de violência doméstica de forma eficaz para proporcionar-lhes segurança, cuidados com os filhos e apoio psicológico. Maria das Neves acrescentou que somente a sanção adequada e rápida continuará incentivando as sobreviventes a denunciar esses crimes. Além disso, ela reafirmou que o sistema de justiça criminal precisa de melhores mecanismos para garantir o processamento oportuno de tais casos para que as mulheres tenham proteção contínua nos termos da lei.
2. A adoção de leis melhores exige a representação de gênero no processo de tomada de decisões.
Após a promulgação da lei sobre violência doméstica e familiar em 2008, São Tomé e Príncipe teve uma série de reformas que ajudaram o país a avançar na agenda de igualdade de gênero. Como resultado, a pontuação do país no Índice de Mulheres, Empresas e o Direito aumentou em 29,3 pontos, de 53,8 em 2008 para 83,1 em 2023 (veja a Figura 2). As reformas incluíram a criação de um novo Código Penal (promulgação da Lei nº 6/2012) e a promulgação de um novo Código do Trabalho (promulgação da Lei nº 06/2019). O Código do Trabalho introduziu disposições que protegem as mulheres contra o assédio sexual no emprego, bem como penalidades criminais para esses casos.
São Tomé e Príncipe adotou a Lei da Paridade no final de 2022. O texto legal garante 40% de representação de gênero no governo central e regional, no parlamento e nas diretorias da administração pública. O objetivo dessa lei é garantir a participação plena e efetiva das mulheres na vida pública e criar mais oportunidades para promover a igualdade de gênero. As debatedoras enfatizaram que a representação das mulheres nos legislativos é fundamental para garantir que as leis e políticas reflitam as necessidades e perspectivas de todos os cidadãos. No entanto, elas observaram que um dos maiores desafios para a implementação dessa lei é conscientizar as mulheres de que agora elas têm mais acesso aos cargos de tomada de decisão e que devem se candidatar a esses cargos. "A sociedade civil tem um grande papel na conscientização das mulheres, em convencê-las a participar da política, em treiná-las e ajudá-las a vencer", disse Maria das Neves.
3. Como podemos avançar na agenda de igualdade de gênero? Inclusão financeira, informalidade e educação.
As debatedoras observaram outras questões que as organizações multilaterais deveriam enfatizar para promover a igualdade de gênero no país: a inclusão financeira das mulheres, os altos níveis de participação das mulheres na economia informal e a falta de acesso à educação de qualidade. Todos esses são assuntos que precisam ser ainda mais discutidos e desenvolvidos. As organizações multilaterais são essenciais para esse esforço, pois podem identificar e compartilhar as melhores práticas observadas em outros países, organizar discussões que permitam a disseminação do conhecimento e ajudar a conscientizar e capacitar meninas e mulheres para que superem a discriminação e contribuam para a sociedade.
Esse webinar nos proporcionou uma excelente oportunidade de avaliar as estruturas jurídicas santomenses, identificar lacunas e trabalhar para melhorar a vida das mulheres. Embora os obstáculos à igualdade de gênero permaneçam, o caso de São Tomé e Príncipe mostra que, com o tempo, as barreiras legais podem ser desafiadas e as leis podem ser alteradas para promover a igualdade de gênero.
Visite o site Mulheres, Empresas e o Direito para acessar dados específicos de cada país e região, para entender a importância da igualdade de gênero para o desenvolvimento econômico. Informações específicas relacionadas a São Tomé e Príncipe podem ser encontradas neste estudo de caso e na postagem do blog.
A equipe de Mulheres, Empresas e o Direito agradece à William and Flora Hewlett Foundation pelo generoso apoio a uma série de workshops de engajamento da sociedade civil e do setor privado na África Subsaariana.
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