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Políticas complementares para conter o desmatamento na Amazônia

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Since 2012, deforestation has been rising in the Amazon forest. Photo: World Bank Group (BR020S04) Since 2012, deforestation has been rising in the Amazon forest. Photo: World Bank Group (BR020S04)

Medidas ambiciosas para proteger a Amazônia, que ajudaram o desmatamento a cair mais de 70% após seu pico em 2004, têm se tornado menos eficazes: desde 2012, o desmatamento vem aumentando. Como isso pode ser revertido?

Um conjunto de políticas complementares pode resolver esse problema complexo. A expansão do arco do desmatamento tem sido alimentada por incentivos econômicos locais, expectativas regionais e globais sobre ganhos futuros e uma forte demanda global. Para deter tal expansão, os ganhos com o desmatamento precisam cair: por meio de coerção, incentivos para a conservação ou ações que visem a tornar outras atividades mais atraentes, evitando, ao mesmo tempo, o desmatamento em outros lugares ou no futuro. 

Estudamos uma vasta gama de políticas públicas  (apresentadas no Memorando Econômico para a Amazônia Legal do Banco Mundial) — tais como a ampliação das terras públicas destinadas e dos incentivos financeiros para a conservação e o aumento de investimentos na produtividade urbana — além de seus impactos sobre potenciais trabalhadores e desmatadores e sobre o uso da terra.

 

Terra pública versus privada

Nossa pesquisa se concentra nas duas principais formas de desmatamento ilegal na Amazônia brasileira. Em primeiro lugar, 55% do desmatamento ocorre em propriedades privadas e assentamentos rurais — muitas vezes violando o Código Florestal, que exige que pelo menos 80% das propriedades privadas permaneçam como floresta nativa. A fiscalização tem sido imperfeita, e a cobertura florestal em propriedades privadas está abaixo de 50%.

Em segundo, 25% do desmatamento ocorre em terras públicas sem destinação adequada. Os outros 20% do desmatamento ocorrem em áreas protegidas (10%) e não identificadas (10%). Propensas à grilagem, essas áreas florestais são convertidas em pastagens e, em seguida, sua posse é reivindicada — muitas vezes de forma fraudulenta. Normalmente, essas terras são, posteriormente, vendidas legalmente aos agricultores.

Os grandes agricultores são mais produtivos e fazem uso mais intensivo da terra. Quando a demanda é alta, eles compram mais terras agrícolas ou desmatam parcelas de terras não destinadas — o que for mais barato. Como as regiões estão interligadas por comércio e empregos, todo o desmatamento é considerado no estudo.

 

Figura 1. A lógica perniciosa do desmatamento na Amazônia

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 Representação visual de políticas para parar o desmatamento
Fonte: Porcher e Hanusch (2022).

 

Vazamento espacial e dinâmico

Controlar o desmatamento é difícil: coibi-lo em determinada área pode simplesmente deslocá-lo para outra; e impedi-lo hoje pode revigorá-lo amanhã. Se as políticas de proteção forem eficazes em certo local, os agricultores de outros lugares podem desmatar mais para atender à demanda global. Mesmo que o desmatamento seja reduzido com sucesso em todas as propriedades privadas, a demanda não atendida por terras aumentaria os preços da terra, encorajando futuras grilagens em áreas não destinadas.

 

Como certas políticas individuais afetam o desmatamento?

A complexidade do desmatamento requer múltiplos instrumentos de políticas públicas e a compreensão de como eles interagem. A figura 2 ilustra como os incentivos pró-conservação (identificados com um “C”) podem ser estruturados.

 

Figura 2. Políticas para eliminar o desmatamento

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 Representação visual de políticas para parar o desmatamento
Fonte: Porcher e Hanusch (2022).

 

Fortalecimento da governança fundiária e florestal

C1a: Destinação de terras não destinadas. O aumento das terras legalmente disponíveis para uso agrícola privado reduziria os preços da terra e os incentivos para a grilagem, mas aumentaria o desmatamento legal até o limite de 20%. A terra também pode ser destinada como área de proteção pública, mas isso incentiva a grilagem em áreas remanescentes não destinadas, ou o desmatamento em propriedades privadas.

C1b: Aplicação das leis de proteção ambiental. Aumentar o custo do desmatamento ilegal da floresta eleva os preços da terra, ao mesmo tempo que afeta a renda por meio do aumento dos preços dos alimentos. Todavia, isso incentiva a transferência de investimentos da terra para outros insumos (como trabalhadores, máquinas ou fertilizantes) para atender à demanda. O desmatamento legal aumentaria, mas o escopo seria limitado — no entanto, as leis poderiam ser alteradas se houver pressão política suficiente.

 

Incentivos para indivíduos e comunidades

C2a: Incentivo aos proprietários de terras para que respeitem os regulamentos existentes. Incentivos financeiros podem deslocar o desmatamento para áreas não destinadas. Se o valor de propriedade da terra subir, pode haver um aumento da grilagem.

C2b: Incentivo à conversão de terras degradadas. A restauração de terras degradadas para fins de produção poderia aumentar a oferta de terras sem aumentar o desmatamento, já que os preços da terra cairiam. No entanto, o financiamento para restaurar terras degradadas pode encorajar os agricultores a deixar a terra se degradar, limitando os efeitos ambientais positivos. No longo prazo, a conversão de terras degradadas em florestas pode ser mais eficaz. O florestamento ou reflorestamento de terras degradadas não afeta os valores das terras ou os incentivos ao desmatamento.

C3: Incentivo às comunidades para que preservem a floresta. Embora tais programas tenham rendido pouco ou nenhum efeito, menos trabalhadores parecem querer desmatar, e o monitoramento da comunidade é positivo. Há três limitações, contudo: (1) para evitar o deslocamento do desmatamento, o incentivo deveria cobrir um grande número de pessoas, o que seria caro; (2) o custo poderia aumentar ainda mais se atraísse migrantes de outras áreas; e (3) como as comunidades seriam solidariamente responsáveis, elas poderiam entrar em conflito com madeireiros ilegais, considerando as falhas já verificadas na aplicação da lei.

 

Promoção de transformação econômica estrutural

Pesquisas demonstram que o fomento à produtividade e à transformação estrutural reduz o desmatamento: à medida que a atividade econômica urbana aumenta, a pressão sobre a fronteira agrícola diminui. Nós concordamos e dizemos mais:

C4: Fortalecimento da produtividade urbana. Os setores urbanos, tais como os serviços e a manufatura, usam pouca terra. Isso reduz a competitividade relativa da agricultura, diminuindo a demanda por terras e, portanto, o desmatamento — especialmente se forem criadas oportunidades econômicas em áreas urbanas dentro da Amazônia, atraindo trabalhadores agrícolas locais. Cadeias de valor agrícolas curtas na produção urbana, em particular, limitam as pressões de desmatamento.

C5: Compensação aos pequenos agricultores pela transformação estrutural. A produtividade cresce mais rápido na agricultura que em outros setores. Os agricultores menos produtivos podem querer expandir sua produção para terras florestais, simplesmente para manter seu padrão de vida. Isso poderia ser evitado com alternativas mais sustentáveis e lucrativas, como, por exemplo, a bioeconomia, ou por meio de apoio à renda, como no tratamento preferencial como fornecedores de alimentos para escolas locais. No longo prazo, é importante oferecer uma formação melhor às crianças rurais para que possam obter empregos urbanos no futuro.

 

Políticas complementares para um problema complexo

Nenhuma política, por si só, é capaz de conter o desmatamento em grande escala — mas juntas, elas podem ser poderosas. À medida que as reformas de governança fundiária (C1a) e os métodos de comando e controle (C1b) contiverem o desmatamento e reduzirem os riscos de vazamento, os incentivos ao reflorestamento (C2a e b) se tornarão mais eficientes. Como todas essas políticas têm ramificações sociais, o foco nas comunidades (C3) e nos agricultores (C5) mais pobres continua sendo crucial. Em geral, será necessário financiamento, levando em consideração as complexidades do desmatamento.

A combinação de políticas públicas também pode mitigar os riscos políticos. O fortalecimento da governança territorial e florestal é impopular entre os agricultores, cuja adesão é crucial. Ultimamente, a resistência política ganhou força suficiente para afetar o cenário eleitoral, aumentando as dificuldades e complexidades relacionadas à legislação ambiental. Políticas que promovem alternativas econômicas, como o aumento da produtividade urbana (C4), tornam a proteção ambiental mais palatável politicamente. Isso pode fazer toda a diferença para o futuro da Amazônia. 


Autores

Charly Porcher

Assistant Professor of Economics at the Georgetown University McDonough School of Business

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