Como os decisores políticos podem reduzir as distorções causadas pela reforma dos subsídios aos combustíveis e, ao mesmo tempo, adotar medidas eficazes para mitigar os impactos adversos dos aumentos de preços dos combustíveis sobre a economia e as famílias de baixa renda?
O artigo do Banco Mundial “Reformas dos subsídios aos combustíveis: Lições da literatura e avaliação do choque de preços para diferentes setores por meio de uma tabela de insumo-produto no caso de Angola” faz uma revisão da literatura sobre este tema, discute políticas alternativas aos subsídios aos combustíveis e apresenta cenários que simulam choques de custos e preços, as poupanças fiscais resultante da reforma dos subsídios no país.
Nas últimas décadas, os preços do petróleo têm sido marcados por forte volatilidade, impulsionada por eventos geopolíticos, variações na produção e ciclos económicos. Entre 2003 e 2008, os preços quadruplicaram antes de caírem novamente e continuarem oscilando, alcançando um pico de 114 dólares por barril em julho de 2022. Atualmente, essa volatilidade persiste, em grande parte devido a contínuas tensões geopolíticas, impactando significativamente o custo de vida das famílias e os custos de produção. Em resposta a esses choques, muitos governos adotaram subsídios aos combustíveis. Esses subsídios aumentaram de 5,4% do PIB global em 2015 para 7,1% em 2022. No entanto, os mesmos tendem a beneficiar desproporcionalmente as famílias mais ricas, ao mesmo tempo que sobrecarregam as finanças públicas e reduzem o espaço fiscal para investimentos em capital humano e físico. Além disso, os subsídios aos combustíveis distorcem os incentivos económicos, favorecendo setores com alto consumo de combustível e promovendo uma alocação excessiva de recursos para essas indústrias. Também estimulam o consumo exagerado de combustíveis fósseis, gerando danos ambientais e reduzindo os incentivos para investimentos em fontes de energia mais limpas. A eliminação gradual desses subsídios pode contribuir significativamente para a redução das emissões globais de carbono, melhorar as contas públicas e aumentar o bem-estar social.
Como o combustível é um insumo fundamental para a atividade económica, a eliminação de subsídios altera a estrutura de custos setoriais, com impactos no emprego, competitividade e, sobretudo, no bem-estar das famílias. Por isso, as reformas nessa área requerem planeamento cuidado. Em setores como agricultura e pesca, por exemplo, o aumento dos custos de produção pode agravar a insegurança alimentar. Já para as famílias de baixa renda, a retirada abrupta dos subsídios tende a aumentar a pobreza e a desigualdade, podendo gerar tensões sociais. Para mitigar esses riscos, a eliminação dos subsídios deve ser gradual e acompanhada de medidas compensatórias como apoios setoriais, transferências monetárias e campanhas de consciencialização sobre os benefícios da reforma.
Angola, apesar de ser um importante produtor de petróleo, tem enfrentado queda nas receitas desde 2015, reflexo da baixa nos preços internacionais e da redução da produção. Para compensar, o governo reduziu gastos em áreas como a saúde, educação e proteção social, mantendo os subsídios aos combustíveis como um dos principais instrumentos de apoio social. Esses subsídios representaram cerca de 3,7% do PIB em 2023, garantindo ao país alguns dos preços de combustíveis mais baixos do mundo. Em junho de 2023 e abril de 2024, o governo introduziu os primeiros aumentos nos preços da gasolina e do gasóleo desde 2016 — 87% e 48%, respectivamente — resultando numa redução dos subsídios em 40% e 9%. No entanto, a desvalorização da moeda nacional no segundo semestre de 2023 aumentou novamente os custos dos subsídios, já que grande parte do petróleo refinado é importado.
Para estimar o impacto fiscal da reforma dos subsídios aos combustíveis em Angola, foram considerados três cenários:
Cenário 1: Mantém os preços grossistas dos combustíveis em níveis de junho de 2024.
Cenário 2: Ajusta os preços aos níveis de mercado até o final de 2025.
Cenário 3: Realiza o ajuste de forma mais gradual, até o final de 2026.
Nos cenários 2 e 3, assume-se que os reajustes ocorrerão duas vezes ao ano — em abril e outubro — a partir de outubro de 2024. As variações percentuais por reajuste são as seguintes: no cenário 2, a gasolina aumenta 40% e o gasóleo 66% a cada ajustamento, enquanto no cenário 3, a gasolina aumenta 23% e o gasóleo 36% a cada ajustamento. As estimativas mostram que, no cenário 2, a poupança fiscal seria de 1,3% do PIB em 2025 e 2,2% em 2026, em relação ao cenário 1. No cenário 3, a economia seria de 0,7% e 1,5% do PIB, nos mesmos anos.
A eliminação dos subsídios aos combustíveis em Angola poderá gerar poupanças fiscais suficientes para compensar os aumentos nos custos de produção. Embora o setor das pescas receba uma parcela relativamente pequena dos subsídios totais, os combustíveis representam 57% dos seus insumos produtivos. Já o transporte rodoviário, que absorve 17% dos subsídios, depende do combustível para 42% de seus custos operacionais. Nossas simulações, baseadas na tabela de insumo-produto de Angola de 2015, indicam que os aumentos nos preços dos combustíveis em junho de 2023 e abril de 2024 elevaram o nível geral de preços em 1,6%, com os custos nos setores da pesca e do transporte aumentando 5,9% cada. Compensar integralmente esses dois setores exigiria apenas 29,6% da poupança fiscal gerada. Em um cenário de eliminação total dos subsídios, o nível geral de preços aumentaria 5,2%, com os custos da pesca aumentando 19,5% e os do transporte 20%. Ainda assim, a compensação desses setores consumiria apenas 30,2% da poupança fiscal. No caso das pescas, subsídios diretos aos produtores tendem a ser mais eficazes do que transferências monetárias, dada a fraca conexão do setor com o resto da economia. Por outro lado, no transporte, transferências em dinheiro para as famílias se mostram mais adequadas para mitigar o impacto dos custos elevados nos preços ao consumidor, devido às fortes ligações setoriais.
A experiência recente de Angola evidencia a importância de medidas de compensação bem planeadas e coordenadas. O aumento do preço da gasolina em junho de 2023 provocou agitação social, destacando a necessidade de comunicação clara e antecipada. Em contrapartida, o ajuste simultâneo nas tarifas de transporte em abril de 2024 contribuiu para atenuar tensões por parte dos operadores de transporte, ainda que tenha transferido parte do ônus para os consumidores.
Embora experiências internacionais forneçam referências úteis, Angola enfrenta desafios específicos para implementar medidas de compensação — como expandir o programa de transferências monetárias Kwenda para áreas remotas e desenvolver um cadastro social robusto. A poupança fiscal gerada pela reforma pode viabilizar uma compensação efectiva, sendo as abordagens mais adequadas os subsídios direcionados à pesca e transferências monetárias para mitigar os altos custos de transporte das famílias mais vulneráveis.
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