Artigo originalmente publicado no Valor Econômico
O Brasil está bem à frente na corrida para uma rápida transição de combustíveis fósseis para energias limpas. Mais de 80% de sua eletricidade vem de fontes renováveis, como a energia hidrelétrica. Em contraste, a China está no extremo oposto: mais de 80% de sua energia elétrica é gerada a partir de carvão, gás e petróleo. A história é semelhante em outros países.
Num mundo de mudanças climáticas aceleradas, a posição do Brasil é privilegiada e lhe permite controlar seu futuro. Essa é a mensagem central do novo Relatório sobre Clima e Desenvolvimento (CCDR) para o Brasil, do Banco Mundial. Os CCDRs examinam como os países podem continuar a se desenvolver enquanto combatem as mudanças climáticas. O objetivo é ajudá-los a decidir quais ações tomar para melhorar a vida de seus cidadãos, ao mesmo tempo que reduzem as emissões de gases de efeito estufa e se adaptam aos impactos das mudanças climáticas, como secas, inundações ou tempestades.
O CCDR do Brasil propõe duas ações principais:Brasil deve aproveitar sua vantagem na área de energias renováveis para se tornar uma potência em energia limpa ; e deve implementar um plano para proteger a Amazônia para as pessoas que vivem na região e no resto do país.
A trajetória do Brasil para se tornar uma potência de energia limpa é clara. Para atender a suas necessidades energéticas futuras com energias limpas, o país não precisaria gastar mais que com seus planos atuais de expandir o uso de combustíveis fósseis. Embora os custos iniciais de geração, transmissão e armazenamento de energia sejam mais altos, eles seriam plenamente compensados pela economia futura em combustíveis e operações. Além disso, a eletrificação do transporte e da indústria com energias renováveis (como o hidrogênio verde) não aumentaria os custos para a economia.
O maior uso de renováveis também tornaria o Brasil mais resiliente às mudanças climáticas. O CCDR demonstra que, mesmo que padrões pluviométricos erráticos tornem realidade o cenário mais pessimista para a energia hidrelétrica, um sistema de energia baseado em energias renováveis e armazenamento ainda é a opção mais econômica para o Brasil.
Com uma economia baseada em energias renováveis, o Brasil está bem posicionado para competir no crescente mercado global de bens e serviços verdes . O país já é competitivo em diversos produtos necessários para a transição, como peças para turbinas eólicas, motores elétricos e geradores. Além disso, poderia produzir equipamentos para energia solar, gerar e exportar hidrogênio verde e explorar grandes jazidas de minerais relevantes para o clima.
Em suma, o Brasil pode e deve desenvolver seu enorme potencial de energia verde, mas precisa reduzir drasticamente suas emissões de gases de efeito estufa. Apesar de sua matriz energética verde, o país ainda está entre os dez maiores emissores do mundo. Como isso é possível?
Aqui também a história brasileira é excepcional. O país é um grande emissor de gases de efeito estufa — não porque use combustíveis poluentes, mas porque continua a derrubar suas florestas para extrair madeira e expandir a agricultura. De 2000 a 2020, 76% das emissões brasileiras vieram desse tipo de mudança no uso da terra. A floresta em pé absorve carbono, mas o desmatamento libera carbono na atmosfera.
A Amazônia já perdeu 21% de suas florestas e está se aproximando rapidamente de um ponto de inflexão . A interrupção de seu ciclo vital de transpiração, evaporação e chuvas terá impactos devastadores em toda a América Latina — principalmente no Brasil. À medida que a floresta der lugar a uma savana tropical, a umidade será insuficiente para sustentar o ciclo hidrológico vital para a agricultura, a geração hidrelétrica e o abastecimento urbano de água no Brasil.
Muito já foi dito sobre a proteção dos remanescentes florestais por meio da aplicação da legislação ambiental, uma prioridade urgente. Contudo, pouco se fala sobre a remoção de incentivos para a destruição, sobre a proteção de empregos e a garantia da segurança alimentar. A Amazônia também pode ser protegida se mais alimentos forem produzidos nas terras que já são usadas para agricultura - e isso é possível no Brasil.
Um plano de desenvolvimento adequado para a Amazônia incluiria investimentos para aumentar ainda mais a produtividade agrícola e torná-la mais resiliente e sustentável . Se implementado paralelamente a uma rígida aplicação das regras de uso da terra, tal plano ajudaria os agricultores a fazer um uso melhor das terras agrícolas existentes, em vez de esgotá-las por meio de práticas improdutivas e depois substituí-las por novas terras, derrubando e queimando mais florestas. Assistência técnica, serviços de extensão, reformas no programa de crédito rural e melhorias nos sistemas de irrigação seriam de grande valia.
Também são necessários investimentos para melhorar a prestação de serviços básicos, prover infraestrutura sustentável e apoiar os meios de subsistência da população amazônica do Brasil . Mais poderia ser feito para atingir o potencial de bioeconomia da Amazônia, inclusive para o benefício dos povos indígenas. Expandir áreas protegidas pode criar oportunidades para ecoturismo, manejo florestal sustentável e exploração sustentável de produtos não madeireiros.
As mudanças climáticas estão alterando profundamente o modo de vida das pessoas em todo o mundo. O Brasil encontra-se numa posição privilegiada para ajudar a conter as mudanças climáticas e proporcionar uma vida melhor a seu povo. Transformar-se numa potência de energia verde e proteger a Amazônia são duas maneiras importantes de atingir esses objetivos.
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