Uma peça do quebra-cabeça para conter o desmatamento da Amazônia e promover meios de subsistência rurais: a bioeconomia

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São necessárias soluções urgentes para conter a destruição em massa da riqueza natural e cultural da Floresta Amazônica. O desmatamento no Brasil vem aumentando nos últimos sete anos, tendo atingido níveis inéditos desde 2008. 

Estimular a bioeconomia — ou seja, atividades econômicas que não destroem as florestas, mas aproveitam o capital natural das árvores em pé — pode ser uma solução possível. Claramente, quando as florestas ou sistemas agroflorestais se tornam mais rentáveis que as monoculturas (como a soja ou a pecuária tradicional), haverá mais incentivo para se preservarem as árvores.

Nossa pesquisa demonstra que a bioeconomia é uma peça importante do quebra-cabeça de conservação de florestas naturais — mas também tem seus limites. Como em todos os quebra-cabeças, são necessárias todas as peças para formar a imagem completa.

A integração da bioeconomia a uma transformação estrutural mais ampla reduz o desmatamento

Há muito tempo, a bioeconomia desempenha um papel importante na Amazônia Legal. Ela gera considerável valor econômico e cultural para os povos indígenas e outros povos tradicionais. Além disso, foi responsável por grandes ciclos econômicos positivos (e também por reveses) na Amazônia: o magnífico Teatro Amazonas, o teatro de ópera de Manaus, por exemplo, foi financiado pelos ciclos da borracha (1879–1912 e 1942–1945); o açaí, o superalimento brasileiro mais conhecido, está conquistando lojas de produtos naturais no mundo todo; e há um interesse crescente em produzir mais cacau na Amazônia, de onde é nativo e de onde foi levado para a África Ocidental. Também há espaço para processar insumos da bioeconomia e transformá-los em produtos de alto valor, como sabonetes, cremes e perfumes.

A bioeconomia pode desempenhar um papel importante na redução do desmatamento da Amazônia . A transformação estrutural é um processo subjacente ao desenvolvimento econômico, que aumenta a produtividade e transfere o emprego da agricultura para os setores de manufatura e serviços, resultando numa sociedade mais urbanizada. Na Amazônia, isso tem levado os agricultores mais produtivos a expulsarem gradualmente os menos produtivos, que tendem a ser agricultores familiares mais pobres.

No entanto, esses agricultores menos produtivos carecem de qualificações para fazer a transição para empregos nos setores de manufatura e serviços — e eles podem não querer (ou podem ser incapazes) de migrar para cidades, onde a maioria desses empregos está localizada. Naturalmente, para um produtor de soja, é muito mais fácil mudar para outros tipos de produção agrícola — especialmente a pecuária — do que, digamos, para a manufatura (ver figura 1, na qual uma pontuação mais alta indica uma probabilidade maior de mudar para essa ocupação).

Os agricultores familiares, especialmente os mais pobres, estão perdendo no processo de transformação estrutural da Amazônia. Eles tendem a ser bem mais velhos que os agricultores não familiares (35% dos agricultores familiares em Mato Grosso são aposentados), e seus filhos não se dedicam, em geral, à agricultura. Além disso, geralmente carecem dos recursos e habilidades necessários para se manterem competitivos — a única solução é migrar para a pecuária (figura 2). Assim, muitos agricultores familiares acabam trabalhando para agricultores mais produtivos.

Como a pecuária na Amazônia normalmente envolve baixa produtividade e tecnologias que fazem um uso muito intensivo da terra, os aspectos disruptivos da transformação estrutural entre os agricultores familiares menos produtivos provavelmente causa um aumento do desmatamento. Isso também poderia ajudar a explicar a taxa de desmatamento relativamente alta nos assentamentos rurais da Amazônia. O fomento da transição para atividades mais sustentáveis poderia reduzir essa pressão sobre as florestas. Como os agricultores têm maior probabilidade de alternar entre atividades rurais, a bioeconomia pode desempenhar um papel importante. 

Figura 1. Potenciais ocupações alternativas para trabalhadores que realizam a transição da produção de soja

Gráfico: Potenciais ocupações alternativas para trabalhadores que realizam a transição da produção de soja

Fonte: Banco Mundial

 

Figura 2. Variações na participação da produção dos agricultores familiares na produção total, 2006 a 2017

Gráfico: Variações na participação da produção dos agricultores familiares na produção total, 2006 a 2017

Fonte: Banco Mundial

 

Limitações da bioeconomia

Ainda que a bioeconomia possa desempenhar um papel importante no desenvolvimento da Amazônia Legal, é importante não exagerar seu potencial. Destacamos quatro limitações principais :

  1. Mercado limitado. Os mercados para muitos produtos da bioeconomia são pequenos, o que inibe seu potencial para impulsionar o crescimento econômico. Por exemplo, o açaí responde por 0,6%, e o cacau, por 1,6% do PIB agrícola dos estados amazônicos. O mercado mundial de grãos de cacau tem um valor anual de cerca de US$ 8 bilhões, muito inferior aos US$ 56 bilhões da soja. Os mercados pequenos restringem o crescimento da produção porque os preços caem à medida que a oferta aumenta.
  2. Risco de monoculturas. Estimular o crescimento de produtos da bioeconomia aumentaria acentuadamente os custos marginais da extração sustentável, incentivando as plantações. Isso aconteceu com o açaí, agora em grande parte produzido no sistema de monocultura, principalmente no estado do Pará. O guaraná e a borracha costumavam ser produtos do extrativismo, mas agora também são cultivados, principalmente como monoculturas.
  3. Riscos de sustentabilidade agravados pela ineficiente governança florestal. O superestimulação da bioeconomia pode até agravar o desmatamento, já que a terra continua sendo um importante fator de produção. Se o Código Florestal continuar a ser aplicado sem muito rigor no Brasil, a expansão da produção para as florestas pode ser comercialmente mais prático.
  4. Riscos de sustentabilidade agravados pela ineficiente governança territorial. Estimular a bioeconomia aumentaria a demanda por terras. O aumento dos preços da terra, por sua vez, tornaria a grilagem mais lucrativa, especialmente em áreas onde a governança fundiária for ineficiente: cerca de 25% do desmatamento na Amazônia ocorre em áreas não destinadas e está ligado à conversão fraudulenta de terras públicas não destinadas em terras privadas. Portanto, estimular a produção rural numa área pode promover o desmatamento para produção futura em outra.

Uma peça do quebra-cabeça

Nossa análise indica que a bioeconomia pode desempenhar um papel construtivo no desenvolvimento econômico sustentável da Amazônia , mas apenas em conjunto com outras peças do quebra-cabeça:

1) Serviços de extensão, para aumentar a produtividade dos agricultores pobres de forma a combater a concorrência (lembrando que aumentos da produtividade agrícola também representam riscos de desmatamento);

2) Promoção de empregos urbanos capacitando e requalificando as populações rurais, já que melhorar a produtividade urbana é fundamental para gerar renda e conter a expansão da fronteira agrícola;

3) Fortalecimento da governança florestal e territorial a fim de restringir o desmatamento ilegal para fins comerciais;

4) Reaproveitamento do apoio fiscal à agricultura, dando preferência ao apoio a tecnologias de produção inteligentes em termos de clima, ao mesmo tempo que se corta o financiamento para a produção insustentável; e

5) Apoio à produtividade agrícola em outras partes do Brasil.

 

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Autores

Hans Jansen

Economista Sênior de Agricultura no Banco Mundial

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